Desde criança aprendi com meus pais Espíritas que devia respeitar as pessoas, e assim cresci, respeitando também os animais e a natureza, tudo o que era vivo. E ainda as propriedades privadas, os trabalhos artísticos, e a sociedade como um todo, por extensão. Era como se tudo fosse perfeito, mas não era. A parte da sociedade não era.
Nada mais natural para mim do que fazer o bem para todos, e incorporar na minha vida e no meu comportamento tudo o que aprendera com meus pais. Só teve um problema. Meus pais não eram politizados, então eu cresci coxinha. Assimilei todos os valores coxinhas, exceto os valores maus. Amar os Estados Unidos, por exemplo, não parecia mal porque eu não sabia o mal que aquele país havia feito ao Brasil. Passaria muitos anos para descobrir isso, e meus pais jamais descobririam, apesar de toda a inteligência deles. Não posso culpá-los, cada um vive na bolha que criou ou foi criada em volta. Cabe a nós, cada um, procurar aprender mais e descobrir que vivemos numa bolha, a fim de expandirmos nossos horizontes intelectuais.
E foi assim que passei de coxinha a militante de esquerda. Sempre recusei esta palavra, "esquerda", porque ela compartimentaliza, mas sou obrigado a admitir este lado por pressão das outras pessoas, principalmente dos militantes mais antigos. Pois se querem, sou de esquerda, não tem problema. Na realidade prefiro ser de centro que é para abranger os dois lados e suas nuances, mas infelizmente ser de centro no Brasil não ajuda, é o mesmo que ser de direita ou pior, extrema-direita. O centro não existe, ele ora pende para um lado, ora para outro, confome os interesses.Porém, nunca me afastei dos princípios do Espiritismo que aprendi, embora eu tenha me afastado das instituiçõe espíritas por muitos anos, porque sempre alguma coisa não batia bem. Demorei para descobrir que todos os Espíritas que eu conhecia eram de direita, o que não podia ser. Alguma coisa estava errada. Descobri o que era, e comigo, uma pá de outros dissidentes mais sensatos e coerentes. E estas pessoas se juntaram e começaram a atuar para realmente fazer valer os princípios do Espiritismo, de acordo com os ensinamentos, e principalmente em coerência com tudo o que é ensinado.
Este texto a seguir é mais um dos argumentos que estes novos Espíritas estão tentando divulgar a fim de fazer as pessoas pensarem, principalmente na reconstrução do mundo depois da pandemia do novo virus COVID-19.
Carta de Allan Kardec a Louis Jourdan
Enviado em 22/07/2019
As cartas manuscritas inéditas de Allan Kardec são os rascunhos, escritos de próprio punho, para que, depois de copiadas, fossem enviadas aos destinatários. Recebia a ajuda de secretários e da sua esposa, Amélie Boudet. Ele registrava as cartas recebidas e arquivava com os rascunhos, formando os arquivos do Espiritismo.
Projeto Allan KardecOs arquivos foram queimados pelos inimigos, que queriam desviar o Espiritismo de sua proposta original. Todavia, a seleção feita por Kardec para contar a história por fatos escapou dos ataques, e chegou ao Brasil, graças aos esforços do pesquisador Canuto Abreu. Atualmente os manuscritos estão sendo preservados, digitalizados e serão disponibilizados ao público num portal da internet, pela equipe do CDOR (Centro de Documentação e Obras Raras da FEAL – Fundação Espírita André Luiz). O trabalho de tradução está sendo feito por uma equipe internacional de acadêmicos e tradutores profissionais. As cartas disponibilizadas em virtude do livro Autonomia, A História Jamais Contada do Espiritismo, são acompanhadas de transcrição, tradução e comentários originais elaborados por Canuto Abreu, com a finalidade de documentar a obra. Todos esses documentos receberão uma revisão da equipe acadêmica, para que, catalogadas, sejam oportunamente disponibilizadas em definitivo no Projeto Allan Kardec.
Numa das cartas, Kardec informou que recebia de sete a oito mil cartas por ano. Uma imensa quantidade de correspondência! Ele não conseguia responder a todas, mas, como podemos conhecer na obra Autonomia, A História Jamais Contada do Espiritismo, ele respondia regularmente as pessoas em dificuldade, que pediam o auxílio da Doutrina Espírita, na pessoa de Allan Kardec. Ele respondia especialmente a cada um, levando à reflexão para compreender o verdadeiro sentido da vida segundo o ensinamento dos espíritos superiores.
Como foi apresentado na obra Autonomia, A História Jamais Contada do Espiritismo, Allan Kardec estava atento a todo esforço social em torno das ideias progressistas, promotoras da solidariedade para o surgimento de um mundo novo. Havia uma imprensa francesa francamente dedicada a esse propósito. Um dos expoentes mais aclamados em Paris, nos tempos de Kardec, era o jornalista Louis Jourdan.
Todos os ingredientes do Espiritualismo Racional e ação social defendidos por Jourdan e seus pares estão presentes nessa síntese excelente de Allan Kardec.
Allan Kardec vai receber uma carta de Louis Jourdan em resposta aos seus apelos. Dias depois, outra carta inédita de Kardec dará continuidade à correspondência entre os dois: “Venho um pouco tardiamente, mas sem que houvesse negligência voluntária de minha parte, agradecer-lhe sua gentil e bondosa carta. Eu já conhecia suas simpatias pelos nossos princípios espíritas”. Jourdan expressa algumas dúvidas quanto às comunicações espíritas, e Kardec continua: “o senhor diz que me ficaria grato se lhe desse uma explicação sobre tal assunto. Como isso seria muito extenso para uma carta e, ao demais, serviria apenas para um leitor, preferi dá-la no número da Revista Espírita que o senhor vai receber”. Então completa: “Quanto ao pedido que o senhor me faz de expor na Revista Espírita algumas de suas opiniões pessoais sobre a Doutrina, acedo com boa vontade, porque sei de antemão que suas críticas não serão o fruto de uma hostilidade sistemática, preconcebida e maldosa”.
Confira o restante da análise da carta no livro Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo.
https://espirito.org.br/autonomia/carta-kardec-a-jourdan/
Artigo de Vinícius Costa
Allan Kardec acreditava que o Espiritismo auxiliaria na luta por Reformas Sociais efetivas contra os males do liberalismo (o que ele pensaria dos "espíritas brasileiros" conservadores e neoliberais?), por Vinícius Costa, cientista social.
Do site do Repórter Nordeste, na coluna de Cláudia Laurindo
Carta original do Codificador do Espiritismo, divulgada em 01 de setembro de 2020 pela UFJF, revela crítica ao liberalismo material e conexão do Espiritismo com às lutas progressistas do século XIX.
Cartas de Kardec revelam perspectiva de apoio às Reformas Sociais se sustentadas pela revolução moral proposta pelo Espiritismo para além do materialismo.
“Quem quer que a estude no seu princípio e nas suas consequências, nela verá toda uma revolução moral; em vez de tomar o edifício apenas pelo topo, ela o toma pela base e lhe dá sólidos alicerces no coração dos homens, inspirando-lhes a fraternidade efetiva e destruindo-lhes o egoísmo, verme roedor de todas as instituições liberais que repousam apenas na materialidade”(1).
As cartas de Allan Kardec, Codificador do Espiritismo, começaram a ser divulgadas na íntegra em 01 de Setembro de 2020, a partir de um convênio entre a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a Fundação Espírita André Luiz (FEAL) – que armazena as cartas encontradas, no século XX, pelo pesquisador espírita Canuto Abreu
As cartas, agora disponíveis na íntegra para o público em geral depois de uma longa batalha para preservação delas, que inclui desde o roubo de documentos por parte dos nazistas durante a ocupação na França até a tentativa de não divulgação das mesmas por parte da Federação Espírita Brasileira (FEB) – por acreditar que os espíritas não estariam prontos para o conteúdos das revelações (2), são um bálsamo para a História da Filosofia e para os estudos da Ciência da Religião, além de ajuda a (re)contar a História do Espiritismo, bem como adentrar na mentalidade do Codificador lionês e suas visões de mundo.
Dentre as cinquenta primeiras cartas divulgadas, destaca-se o “Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863”. Nela, o Codificador Espírita dirige-se ao companheiro de missiva:
“Se suas ocupações lhe permitirem dar uma olhada nela, reconhecerá, sem dificuldade, penso, que esta doutrina conduz inevitavelmente, e por uma via segura, a todas as reformas sociais perseguidas pelos homens de progresso e que ela acarretará forçosamente a ruína dos abusos contra os quais o senhor se insurge com tão notável talento. Sua rápida propagação e o pavor que ela causa no partido clerical são uma prova de que nela se vê algo além de uma efêmera utopia”.(3)
Para se compreender inteiramente o teor dessa carta é preciso conhecer o interlocutor de Kardec, o Monseur Louis Jordan. O Jornalista e Editor francês foi um dos maiores seguidores de Saint Simon na França, além de ter atuado diretamente na luta francesa do século XIX pelo direitos femininos. Não existe, ainda, tradução para português dos livros de Louis Jourdan ou biografia traduzida em nossa língua, mas em língua francesa o trabalho de Jourdan é mais conhecido. Todavia, o público espírita não desconhece a figura de Monseur Jourdan ao todo, já que Kardec cita Louis Jourdan em sua Revista Espírita na edição de Abril de 1861 como alguém por quem ele tinha respeito e com quem se comunicava frequentemente por estar avaliando o Espiritismo insurgente na França. (4).
Aprofundando na figura desse jornalista, percebe-se que Louis Jourdan teve uma vida dedicada às causas sociais. Discípulo das teorias de justiça social de Saint Simon, o jornalista nasceu em Toulon em 7 de janeiro de 1810 e foi editor pela primeira vez de um jornal nesta cidade, chamado o “Eleitor Popular”, dirigido à politização das classes trabalhadoras. Em 1848, fundou o jornal “Espectador Republicano” também dedicado às causas progressistas. Depois de ir para um exílio na Tunísia, ele voltou à Paris em 1852. Em 1856, Louis Jourdan foi o primeiro editor-chefe do Jornal de cunho econômico “Diário dos Acionistas”. Em 1863, ano em que trocou as cartas, reveladas, com Kardec, escreveu sua obra mais importante: “Mulheres em frente ao andaime”. Devido ao viés emancipador de sua obra, em 1870, foi membro do Comitê Executivo Central da Associação para os Direitos da Mulher, algo extremamente inovador para época.
Minimamente apresentado, bem como sua luta em prol das reformas sociais, voltemos mais uma vez à carta de Kardec e como ele interage com o Senhor Jourdan:
“Se suas ocupações lhe permitirem dar uma olhada nela, reconhecerá, sem dificuldade, penso, que esta doutrina conduz inevitavelmente, e por uma via segura, a todas as reformas sociais perseguidas pelos homens de progresso e que ela acarretará forçosamente a ruína dos abusos contra os quais o senhor se insurge com tão notável talento.”(6)
O texto é claro e fala por si só. Na visão de Kardec, o Espiritismo colaboraria para as reformas sociais defendidas pelo Monseur Jourdan e auxiliaria no fim dos abusos do liberalismo materialista e do machismo – objetos de estudo crítico do jornalista, contra qual ele lutava com “notável talento”.
A carta de Kardec para Louis Jourdan deixa claro e evidente o viés progressista para sustentação das “reformas sociais” que o Codificador do Espiritismo enxergava na Doutrina Espírita no século XIX. Transformar o Espiritismo em instrumento de manutenção dos interesses egóicos conservadores do poder estabelecido vai contra a visão de Kardec ao codificar sua própria doutrina e acaba por alinhar-se ao clericalismo combatido por Kardec como destacado nos trechos supracitados.
Kardec ainda alerta ao Monseur Jordan que o “homem de progresso” que não percebe o aspecto revolucionário moral do espiritismo, em sua essência do “fora da caridade não há salvação”, ainda não percebe que a justiça social sonhada necessita de uma revolução moral que estimule à autonomia dos seres. Dessa maneira, se as lutas progressistas caminharem para o escárnio do Espiritismo, essas seriam mais “cegas que o clero (8)” e perder-se-ia, inclusive, as oportunidades de progresso social.
Esse é o “bom combate” que Kardec deixa evidente ao Monseur Jordan ao convidá-lo à se juntar ao Espiritismo e que se estende a todos nós que lemos esta carta no século XXI (o texto completo pode ser lido, na íntegra, aqui).
As reformas sociais necessárias à evolução das sociedades se consolidarão a partir de doutrinas moralmente estimuladoras da autonomia dos sujeitos como o Espiritismo de Kardec. Essa é a defesa, por excelência, do Codificador ao pensar o Espiritismo. E esta deve ser a defesa daquele que professa a Doutrina dos Espíritos.
Texto publicado originalmente na página: https://www.vinnycosta.org/post/ah-religi%C3%A3o-3-kardec-acreditava-que-o-espiritismo-auxiliaria-luta-progressista?fbclid=IwAR1RC7BrJ0FOWKKhfGbwYGdc0p3Z8f0ng9mSGjE18eaoNd6wiR2XfWPWvcs
Bibliografia
(1) KARDEC, Allan. [Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863]. Disponível em: http://projetokardec.ufjf.br/items/show/45. Acesso em: 2 Set 2020. Projeto Allan Kardec.
(2) FIGUEIREDO, Paulo Henrique. Autonomia: A História Jamais Contada do Espíritismo. Feal. São Paulo. 2019.
(3) KARDEC, Allan. [Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863]. Disponível em: http://projetokardec.ufjf.br/items/show/45. Acesso em: 2 Set 2020. Projeto Allan Kardec.
(4) Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos – 1861 > Abril > O Sr. Louis Jourdan e o Livro dos Espíritos. Disponível em: https://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1861.pdf
(5) Em linhas gerais pode ser saber quem foi Louis Jordam aqui em francês: https://fr.m.wikipedia.org/wiki/Louis_Jourdan_(%C3%A9diteur)
(6)KARDEC, Allan. [Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863]. Disponível em: http://projetokardec.ufjf.br/items/show/45. Acesso em: 2 Set 2020. Projeto Allan Kardec.
(7) KARDEC, Allan. [Rascunho de carta para o senhor Louis Jourdan – 02/11/1863]. Disponível em: http://projetokardec.ufjf.br/items/show/45. Acesso em: 2 Set 2020. Projeto Allan Kardec.
https://oespiritualismoocidental.blogspot.com/2020/11/kardec-acreditava-que-o-espiritismo.html
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