segunda-feira, 28 de abril de 2014

Revolução Azeda II

O Ressurgimento da Burguesia Nacional

Parte 2 de 6
Por Gearóid Ó Colmáin / 29 de julho de 2013

Apesar de não ter conseguido livrar a economia do Brasil do controle da dívida pelo FMI, a liderança de Lula da Silva no Brasil também obteve êxitos importantes, em especial na política internacional. Estas políticas progressistas não deixaram de levantar as sobrancelhas em Washington. Lula reorientou a política externa brasileira ao abrir contatos com Cuba, condenando o embargo norte-americano àquele país e oferecendo empréstimos e investimentos significativos, para o desgosto de Washington; Lula recusou-se a classificar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) como terroristas; o líder brasileiro tinha relações estreitas com Hugo Chavez da Venezuela; foi um grande defensor da integração latino-americana no âmbito do Mercosul, e iniciou laços econômicos bilaterais mais estreitos com a África e a Ásia.

FMI Fundo Monetário Internacional
Apesar de ter tido participação na ocupação ignóbil neo-colonial das Nações Unidas no Haiti, o Brasil desempenhou um papel cada vez mais independente na cena internacional, advogando diálogo ao invés de guerra no caso do Irã e denunciando a interferência externa na guerra da Síria.

A sucessora de Lula, Dilma Rousssef, tem dado continuação a esta postura independente. Ela se opõe às ações da NATO contra a Síria, denunciando a intervenção estrangeira e apoiando a posição da Rússia que defende o diálogo pacífico; esta posição anti-imperialista, pro-terceiro mundo do Brasil tem colocado o país fora da órbita dos queridos da Nova Ordem Mundial (New World Order) e na órbita da Elite Transatlântica de investidores.

Nova ordem mundial, "amador, eu tomo conta"...
Estes aspectos nacionalistas e multipolares da burguesia nacional ascendente do Brasil tem, como no passado, dado o sinal de que o país está pronto para uma mudança de regime objetivada pelos parasitas imperialistas do Hemisfério Norte, que não tolerararão uma América Latina capaz de prosseguir uma política externa independente.

Uma indicação de que a elite financeira mundial favoreceu uma mudança de regime no Brasil veio na forma de um artigo do Financial Times em 2010, que descreveu José Serra, o candidato ultra-direita de oposição a Dilma Rousseff na campanha para a eleição presidencial 2010, como “de longe o melhor candidato”.

José Serra
A Conferência de Durban em março de 2013 foi um marco nas finanças internacionais. Os governos brasileiro e chinês anunciaram que iriam usar suas moedas nacionais no comércio bilateral entre os países. Esta decisão constituiu uma ameaça direta ao futuro do dólar como moeda de reserva do mundo. A conferência de Durban também anunciou planos para a criação de um banco de desenvolvimento do BRIC para rivalizar com o FMI e o Banco Mundial. A ascendente burguesia nacional das economias emergentes está constantemente desafiando a hegemonia global da elite transatlântica no poder, que confiará em seus agentes entre a burguesia consumista das economias emergentes para fazerem suas licitações, a fim de restaurarem a ordem mundial dominada pelo velho Euro-Atlantic.

Os tostões furados chineses
Nas conversações do Doha (Development Agenda, DDA or Doha Round) do World Trade Organization (Organização Mundial do Comércio) em 2008, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, causou controvérsia quando protestou contra as tarifas e os subsídios utilizados pelos países ricos que impedem o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo, comparando a propaganda que eles utilizam para promover políticas como equivalente à dos nazistas.

Doha a quem doher, capital do vai te Qatar
US Today relatou:

“Os países mais pobres exigiram cortes nas tarifas e subsídios utilizados na exploração pelos países ricos, dizendo que eles dificultam o desenvolvimento do Terceiro Mundo. Em troca, os países ricos têm insistido em melhorar o acesso ao mercado dos países em desenvolvimento para os seus fabricantes e prestadores de serviços.

'Um melhor acesso ao mercado' para os investidores estrangeiros é justamente aquilo que os Estados Unidos esperam alcançar se eles puderem ajudar um governo consumista de direita a tomar o poder no Brasil nas eleições de 2014, ou melhor ainda, se puderem conduzir o país ao caos e à destruição.”

Em contraste com as políticas de mercado livre de Fernando Henrique Cardoso na década de 1990, a administração Lula utilizou o poder do estado para impedir a Vale de despedir trabalhadores. A revista The Economist tinha isto a dizer sobre as políticas do Brasil:

Fernando Henrique Cardoso, por Ziraldo
“Um revés para o capitalismo estatal, um dos principais privatizadores de empresas da década de 1990 agora está forçando sua maior empresa de mineração, a Vale, a manter trabalhadores de que não precisa, e obrigando um bando de pequenas empresas a embarcarem numa consolidação subsidiada.”

Vale
Aqui, mais uma vez, vemos o fenômeno da burguesia nacional, que só pode se manter por cooptação com o movimento trabalhista. Enquanto tal relação mantém o salário dos trabalhadores em servidão ao capitalismo, ela também pode ser usada como uma vantagem estratégica para o trabalhador, como no caso da Vale, em que o estado burguês que depende do apoio dos sindicatos para a sua legitimidade é forçado a exercer pressão sobre as empresas para não despedirem trabalhadores. Uma corporação multi-national operando em um estado pífio simplesmente mostraria a porta da rua para os trabalhadores ou teriam os líderes trabalhistas presos ou assassinados.

The Economist vai em frente ao descrever o novo modelo econômico adotado pelo governo brasileiro:

“O governo tem derramado recursos em um punhado de empresas campeãs estatais, em especial nas relacionadas a recursos naturais e de telecomunicações. Ele também produziu um novo modelo de política industrial: substituição da participação direta do governo pela indireta por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) e sua filial de investimento (BNDESPar); e substituindo a propriedade majoritária pela minoritária através da aquisição de ações de um amplo espectro de diferentes empresas. Sergio Lazzarini, do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa, e Aldo Musacchio, da Harvard Business School, batizaram este modelo de “Leviatã como acionista minoritário”.

Derramando recursos
Tal economia nas mãos de uma burguesia nacional ascendente seria capaz de competir com potências imperialistas por novos mercados. É por essa razão que Londres e Washington prefeririam ver um retorno à farra da privatização da década de 1990, a fim de que os investidores estrangeiros e as empresas multinacionais pudessem tomar o lugar do “Leviatã como acionista minoritário”.

Fernando Henrique Cardoso fez muito mais para o FMI e para a elite no poder ocidental do que qualquer outro líder na história brasileira. Em um artigo no New York Times em 1999, o economista americano Paul Krugman afirmou que Arminio Fraga Neto, um ex-gerente financiador a serviço do bilionário financista George Soros, passou informações confidenciais para este último, o que possibilitou ao especulador usar informações privilegiadas, quase mergulhando a economia brasileira no caos. Krugman posteriormente recuou de suas afirmações quando foi ameaçado por Fraga de processo por difamação.

George Soros (artlink)
Os partidos de oposição de direita estão se beneficiando claramente dos protestos no Brasil. Longe de serem “espontâneas”, as manifestações possuem todas as características de uma campanha coordenada por corporações multinacionas e elementos da burguesia consumidora de direita trabalhando através de várias ONGS, seguindo um padrão estabelecido no engendramento do golpe fascista de 1964.

A Guerra das Moedas

Embora as relações com Washington pareçam estáveis, profundas tensões apodrecem estas relações sob a superfície. A política fiscal de flexibilização quantitativa (introdução de dinheiro novo no suprimento de moeda por um banco central) realizada pelo Federal Reserve dos EUA e pelo Japão desde a crise financeira, provocou uma valorização do real brasileiro, afetando negativamente a competitividade das exportações de manufaturados do país e o aumento da inflação.

Guerra das moedas
O Ministro da Fazenda do país, Guido Mantega, provocou mais polêmica na cúpula do G20 (G20 Summit) em Seul, em 2010, quando descreveu a política fiscal americana como sendo equivalente à declaração de uma guerra monetária global. O governo brasileiro tem respondido à flexibilização quantitativa com o estabelecimento de tarifas de proteção sobre as importações americanas, o que causou indignação em Washington. Obama está forçando uma agenda de livre comércio na América Latina, a fim de elevar as exportações. O Japão, por sua vez, também se envolveu na flexibilização quantitativa, a fim de escorar suas dificuldades com as exportações. Esta política tem sido condenada pela China e pelo Brasil.

Guido Mantega (Mangaba Studios)
Em setembro de 2012 a Presidenta Rousseff desceu o sarrafo na política monetária norte-americana em seu discurso para as Nações Unidas, o que ela descreveu como proteccionismo “fraudulento”. As observações críticas de Mantega e Rousseff contrastam de forma acentuada com a atitude servil do ex-Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, que disse que o mundo deveria estar torcendo pelo Banco Central porque é ele que tem a capacidade de reanimar a economia global.

É claro que os bancos de Wall Street e o estabelecimento de inteligência preferem ver o retorno aos bons e velhos dias do governo de Fernando Henrique Cardoso na década de 1990, onde tarifas protetoras seriam retiradas, o papel do estado na regulação da economia diminuiria e a elite ocidental não enfrentaria a humilhação de ter sua sagacidade questionada por imprevistos e indesejáveis novos poderosos do  Hemisfério Sul.

Rua da parede (Wall street)
O Nacionalismo dos Recursos

Em 18 de junho de 2013, o governo Brasileiro anunciou a intenção de aumentar os royalties do estado provenientes da indústria mineira de 2 para modestos 4 por cento. O ex-executivo-chefe da Vale SA, a maior exportadora de minério de ferro do mundo, condenou a decisão, dizendo que ela “bateu pesado nos mineiros”.
O Reuters relatou que:

“A legislação vai por à prova os esforços do governo para reduzir as tensões com os investidores, muitos dos quais têm criticado as políticas econômicas da Presidenta Dilma Rousseff como irregulares e sua atitude com relação aos negócios como de “mão pesada”.

A nova lei vai calcular os royalties com base no rendimento bruto ao invés de rendimento líquido, o que atualmente é o caso. O Congresso Nacional do Brasil está para debater e votar o projeto de lei ainda este ano, bem como a criação de uma nova agência reguladora dos vastos recursos de mineração de cobre, bauxita, ouro, níquel e manganês.O governo está também a ponderar a criação de um imposto sobre exploração mineira dos grandes projetos envolvendo minério de ferro, um movimento descrito como “negativo” pela Barclay's Capital.

O prato e a cuia do Congresso Nacional, Brasília
A Vale SA entrou em conflito com o Departamento de Mineração Nacional do Brasil sobre a questão dos royalties. O departamento alega que a empresa deve ao estado 3,12 mil milhões de dólares em royalties não pagos.

Mineweb relatou que a nova lei visa “aumentar sua parte num vasto conjunto de alterações dos regulamentos de mineração que visam aumentar o controle do estado sobre a indústria e o aumento das receitas do estado no boom mineiro.”

O The Economist escreveu que a lei visaria “atingir os lucros das empresas de mineração”, reclamando que a administração de Rousseff tem “tornado o investimento em muitos setores muito mais difícil.”

No entanto, como os protestos irromperam em todo o Brasil em 19 de junho, os receios do mercado foram dissipados quando o “imposto de participação especial” foi descartado, convenientemente.

A Vale SA também está contestando os novos impostos do maior estado minerador do Brasil, o estado de Minas Gerais.

O Brasil tem alguns dos recursos mais valiosos do mundo. Há anos, empresas multinacionais comandaram diretamente o Brasil através da ditadura militar. Agora, os investidores internacionais e os especuladores têm de lidar com um estado cada vez mais assertivo e uma burguesia nacional que pretende utilizar os recursos do país para o próprio desenvolvimento nacional. Não obstante o fato de que as receitas do estado provenientes da mineração são muito inferiores às dos países desenvolvidos, como a Austrália (12%), assim como a economia do Brasil cresce, também cresce a capacidade do estado em aumentar os impostos e regulamentar as empresas estrangeiras.

Apesar de o governo brasileiro inicialmente ter perseguido as políticas econômicas neo-liberais, de acordo com o que ditou o FMI, a política cada vez mais independente bem como as políticas fiscais adotadas pelo governo brasileiro têm enviado um forte sinal para Washington de que a soberania nacional do Brasil não está à venda.

A Perseguida, cachaça
Um relatório do Banco Mundial em 2011 revela que o Brasil é a economia mais fechada do mundo. Entretanto, a taxa de importação de bens e serviços foi de 13 % do PIB, o menor valor em uma lista de 179 países.

Rússia e China

“Por que razão é que os Estados Unidos comercializam com a Rússia e os seus satélites, mas insistem que o Brasil só comercialize com os Estados Unidos?”, perguntou Jânio Da Silva Quadros em 1961 antes de ser derrubado pelos Estados Unidos da América por suas heresias.

A economia do Brasil em crescimento e a qualidade de membro da aliança do BRICS trouxe o país para uma posição mais próxima à Rússia. A Presidenta Rousseff em fevereiro de 2013 deslocou-se a Moscou onde assinou extensivos novos contratos de defesa com a Federação da Rússia.

Moscou, Rússia
O Brasil adquiriu baterias anti-mísseis aeronáuticas sob a condição de que a tecnologia russa seria repassada para empresas de defesa brasileira. O Brasil tornou-se o primeiro país fora do território da Rússia a sediar uma estação de monitorização do sistema de posicionamento global Glonass, que irá rivalizar com a tecnologia de GPS norte-americana.

Moscou e Brasília também concordaram em aumentar o comércio bilateral de um volume de negócios anual de 6,5 bilhões de euros para 10 bilhões de euros, bem como aumentar a cooperação nos setores de energia nuclear e de hidrocarbonetos.

A Rússia colocou um impressionante pavilhão de armamento na LAAD Defense Show em abril deste ano, no Rio de Janeiro, onde o sistemas Kornet de mísseis teleguiados anti-tanque, aviões de guerra SU 35 da Sukhui, helicópteros de ataque Mi-35 e um enorme pavilhão espacial, permitiram aos russos fazerem sombra nos seus concorrentes europeus e americanos. O equipamento militar russo é considerado mais barato e de melhor qualidade.

LAAD Defense Show no Riocentro
Por conseguinte, a venda de armas da estatal russa Rosoboron são um recorde. Se o Brasil continuar a adquirir tecnologia militar russa, enquanto se beneficia dos acordos de transferência de tecnologia firmados com Moscou, ele poderá, eventualmente, ser capaz de defender-se a si próprio contra uma possível intervenção dos EUA.

As cada vez melhores relações do Brasil com a China são também uma fonte de profunda preocupação para Washington. Em 2006, a BBC publicou um relatório intitulado: “A Influência da China no Brasil Preocupa os Estados Unidos”, onde declarava:

Entardecer em Xangai, China, nossa!
“O espectro da existência de um usurpador como a China é agravado por uma seqüência de eleições que tem produzido líderes populistas de esquerda céticos com relação aos Estados Unidos. Durante a Guerra Fria, eles provavelmente jamais teriam sobrevivido na posição por muito tempo.”

Este desenrolar de coisas não passou despercebido em Washington. Em 2008, o governo norte-americano reativou a Fourth Fleet, uma frota da Marinha dos EUA na Flórida visando o Caribe e América Latina, funcionando sob o comando do US Southern Command, (USSOUTHCOM).  A manobra causou profunda preocupação sobre as intenções dos EUA no Brasil.

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