sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

43 Sem Tetos

43 "homelesses" (sem-tetos) ou barracas que podem ter mais de um ocupante, foi o que minha mulher contou no mês passdao, num simples parque de Sydney chamado Belmore Park.

Odeio mudanças...
Minha mulher anda resistente a mudanças. 

Ela perdeu-se na maior estação de trens de Sydney e caminhou muito, inclusive através de um longo corredor absurdo que ela detesta, até que, ao chegar do outro lado, finalmente encontrou uma funcionária para perguntar. Uma funcionária muito mal educada, mas isso é comum na Austrália, nem todo mundo tem o riso cheio de dentes à mostra o tempo todo e a toda hora. Tem gente assim, mal amada, mal humorada e intolerante. Se ela não estivesse apressada, ia dizer poucas e boas para a insolente, que proavelmente nunca ouviu ninguém falar grosso com ela, pois raras pessoas reclamam como nós, brasileiros. Esse povo precisa aprender que tolerância tem limites e que o público não é cachorro como eles.

No metrô/trem/tram tem tudo quanto é informação, mas elas são tão complicadas que é preciso você ter experiência e já ter treinado muito a vida na Austrália a fim de decifrar qualquer coisa que coloquem a título de ajuda ou de mapa de informação. Eles simplesmente adoram complicar, que é para garantirem os empregos e todos acharem que ele sabem das coisas, né? Se você faz uma coisa simples para ajudar aos outros, é considerado medíocre. Tudo tem que ser sofisticado e parecer difícil e pomposo para eles darem valor. Delírios de grandeur...

Perdida na Central Station (Estação Central de trems), Sydney
Ela, brasileira da gema, feminina ao ponto de perguntar as direções a toda hora, confiando em todo mundo, vive quebrando a cara aqui neste país de pessoas solitárias que odeiam falar umas com as outras, e odeiam contato se não for pelo celular. Mas ela insiste porque quer mudar a Austrália e fazê-la igual ao Brasil. Bem, ela não está de todo errada, pois aqui ou ali, realmente consegue mudar o mundo ao seu redor. Depois de 4 anos, a vizinha da casa da frente dá adeuzinho pra ela na varanda. O problema é que, quando se faz amizade com um vizinho, logo ele se muda. É um povo muito mutante...

GPS nestas horas não serve de nada, dentro de túneis de estações e mulher tradicionalmente não sabe ler mapa e se orientar sozinha pelo sol ou pelos astros. Ela se orienta pelas pessoas, e isso está corretíssimo.

Mas a vida na Austrália é mesmo superficial, e logo as coisas mudam, as situações se alteram, e tem-se que começar tudo de novo, porque a cultura deles é mesmo volátil. Outro dia fui aproveitar o carro da frente pra entrar no estacionamento de visitantes do meu filho e, depois que estacionei, o elevador não saia do canto. Como um dia ele me disse que só podia ir para o primeiro andar, fui pra lá e liguei pra ele reclamando. Ele me mandou sair do prédio e entrar de novo, desta vez chamando ele pelo interfone. O prédio inteiro fica lhe atocalhando pra só deixar eu me mexer pra onde fui ordenado. Odeio esta mudança porque, e se eu quiser visitar um vizinho em outro andar de repente? Não posso. Mas também ninguém faz tal coisa tão absurda aqui na Austrália quanto visitar um amigo em outro andar de repente. Ninguém sequer se conhece ou se cruza...

Um exemplo simples que me ocorreu nestes últimos meses: sou cliente de um restaurante chinês e, de repente, eu não encontrava mais ele aberto quando saia do trabalho para o meu jantar, e tinha que me virar em outras paragens. Passaram-se 3 meses até que certa semana dei de cara com o dono antigo que me atendeu calorosamente, dizendo que sua mulher, que geralmente me atendia, estaria retornando na semana seguinte de longas férias. Na semana seguinte, lá estava eu e quando ela me viu, estendeu a mão, apertou a minha, e confidenciou que não estava de férias coisa nenhuma. Por meio de seu Inglês quebrado e com um sotaque asiático terrível, consegui entender que eles tiveram problemas com o banco, estiveram sem dinheiro, e tiveram que sublocar o restaurante por 3 meses, e o rapaz que alugou trabalhava diferente, e por isso fechava antes de eu chegar do trabalho. Aproveitou e me deu uns extras como era de praxe.

Lucy, de I Love Lucy, agindo como mulher normal nos anos 50
Quer dizer, eu ainda voltei lá, mas se tivesse desistido, jamais iria saber o que havia acontecido. E ela só disse porque é asiática, caso contrário, também não diria, e ficaria tudo por isso mesmo. Já não sou muito de conversar, então o que consegui de informação foi muito mais além do que poderia esperar na Austrália.

Depois que minha mulher tomou o tram, e o cobrador veio fiscalizar, ele descobriu que ela não havia passado o cartão na leitora da estação. O novo cartão ridículo chamado Opal exige que você passe na leitora na entrada e na saída, porque senão lhe cobra uma passagem inteira, que é bem carinha. Passando o cartão, você delimita sua viagem e consegue abatimento. Para visitar esta amiga, ela tem que passar o cartão 8 vezes, 4 na ida, e 4 na volta, porque pega 2 trens e 2 trams, pois não existe uma linha só que ligue estes dois pontos da cidade. Sydney é muito mal servida de transporte coletivo porque ele só existe para certas partes da cidade e não são contínuos como em Tóquio. Nada de ter várias estações em que você troca de trem sem pagar extra, aqui se paga tudo, até seu p..., sua flatulência.

Diferença entre trem e tram: trem em cima, tram embaixo, em 
Melbourne
Um senhor então disse pra minha mulher, desça nesta estação, passe o cartão ali fora e volte. Ela perguntou, e vai dar tempo? Deu tempo. 

Dentro do tram ela continuou conversando com ele, um sujeito de meia-idade. Quando passaram por cima de um parque, ela se assustou com o número de sem-tetos morando ali, e resolveu contar as tendas. Deu 43 tendas no Belmore Park que ela podia ver do alto do tram sob as árvores, mas devia ter mais porque havia outras tendas até embaixo dos arcos do viaduto por onde passa o tram num outro parque chamado Wentworth, e que ela não poderia ver, além das que ficavam embaixo de árvores.

Click para aumentar ou procure por imagens no Google digitando 
"Belmore Park Homeless" (os sem-teto do parque Belmore)
Quando me contou, resolvi pesquisar na internet, e nem bem vou escrevendo Belmore Park, já aparecem vários sufixos, e um deles é "homeless". A frase se auto completou o que denota a frequência com que este termo é pesquisado. Resolvi ver imagens, e o que se espraiou na minha frente foi inacreditável. Você pode tentar também, mas já sei o que vai dizer: que os sem-tetos da Austrália são ricos porque vivem em tendas de acampamento, e alguns têm até luxo com direito a prancha de surf. Diferente dos sem-tetos brasileiros, que só têm panelas para o panelaço, se é que eles ainda existem (os sem-teto, não os panelaços). Ah, esqueci, pobre não participa do panelaço, só rico.

Nas imagens você vê a vida naquele parque maravilhoso. Você vê espetáculos com bandas, pessoas dançando na grama, vans de caridade entregando sopa e garrafas d'água, e vê até detalhes das tendas do povo. Você vê gente estendida em todo lugar, vê coisas estendidas, vê até tendas rodeadas por potes de plantinhas, enquanto numa outra um senhor aparece sentado numa das duas poltronas de sua sala, tendo no meio uma mesinha lateral com uma TV em cima, que talvez não funcione. Depois soube que era movida a painel solar feito em casa. Alguns acampamentos são bem grandes, o que quer dizer que tem mais gente do que as 43 tendas prometem. Uma das imagens mostra um casal de jovens, um asiático e uma imigrante de país pobre, por sua cor, sentados numa cama de campanha dentro de uma tenda até bastante grande. São moradores temporários, mas ainda assim, cheios da indiginidade de morar num país como este. Existe também um sem número de residências abrigando dezenas de pessoas que pagam caro por cada metro quadrado utilizado, com fila no banheiro único.

Belmore Park, Sydney
O que nos deixa indignados é que isso jamais deveria existir num país como estes, considerado afluente, rico. Lendo mais sobre o assunto descobrimos que a maior parte dos que moram ali já pagaram suas sentenças nas prisões, e este é o maior motivo pelo qual eles não consegue emprego.

O senhor que conversava com minha mulher então falou, isso é o que dizem ser um país de primeiro mundo. Foi quando ela concluiu que ele não devia ser australiano, primeiro porque conversava, e segundo porque foi capaz de falar isso. Só estrangeiros criticam a Austrália, os nativos provavelmente se envergonham mas empinam o nariz pra cima, do alto de suas arrogâncias, como quem diz, "quem é você para falar mal da minha adorada Austrália"? Volte para o lugar de onde veio.

Dane-se, estamos lotados
Esta frase, "go back to where you came from" é famosa e usada em muitos países que eram ricos mas hoje estão em franca recessão, muito maior do que a que dizem que o Brasil está sofrendo hoje. Esta é a frase de ódio preferida e frequentemente dita, se você aborrecer um estrangeiro ao ponto de enfurecê-lo, que é quando ele solta a franga estrangulada em sua garganta. A tendência é que eles achem que todo o mal do país é por causa dos imigrantes, quando a realidade é bem diferente, pois são os imigrantes que trabalham e pegam os melhores empregos depois das universidades, enquanto eles se contentam com empreguinhos de segunda classe.

Uma das observações sábias da minha esposa sobre o atual programa realidade chamado Bachelorette, onde uma mulher escolhe um homem do meio de uns 30 candidatos que ficam participando de tudo quanto é tipo de programação a fim de ganhá-la, competindo uns com os outros, foi de que a maioria dos candidatos tinha empreguinhos de "merda". Particular atenção ela deu para os dois caras mais bonitos, justamente os com piores empregos de encanador e pedreiro. Quando o programa é Bachellor, ou seja, é um homem que escolhe entre 30 candidatas aquela que ele vai casar, os empregos delas também têm o mesmo nível. Elas costumam ser cabelereiras ou promotoras de eventos, daquelas que ficam nas vitrines dos quiosques nas feiras comerciais, para dar um exemplo. Um ou outro destes candidatos é que aparece com emprego de algum nível como advogado ou engenheiro.

Cartão Opal que desconta da sua conta (aqui dentro do ônibus)
Este novo tipo de cartão que paga transporte é uma novidade que veio substituir os velhos cartões em que você comprava o número de viagens, para 10 ou 20 viagens. Este agora é maleável, computa por quilômetro, então dizem que ele só é vantagem pra quem anda muito e pra toda parte com frequência. Na realidade, ele é fundamentalmente mais caro, pois tudo o que se faz em cidades como Sydney é para arrancar mais dinheiro da população na eterna goteira na cumbuquinha dos ricos e poderosos, sem piedade.

Este cartão plástico é "preenchido" eletrônicamente com crédito extraído do seu cartão de crédito cada vez que você paga quando ele acaba, diferente do anterior que era de papelão e sofria um furinho a cada passagem nas maquininhas dentro dos ônibus, e que muita gente fingia que enfiava ele na cumbuquinha mas segurava para não descer, e daí ele não marcava mas o motorista não via o truque (eu vi).

Cartão Opal fora do trem
O truque para lhe forçar a entrar no esquema deles é, primeiro começa colocando ônibus em que você só entra se tiver um cartão, chamados "pré-pagos". Estes ônibus em geral são expressos e chegam mais rápidos nos destinos, além de serem maiores e articulados. Se você ainda resistiu a eles, e insiste em pagar com dinheiro, vai ouvir reclamações dos motoristas que odeiam dar uma de cobradores e terem que fazer contas e contar moedas pra lhe dar de trôco.

Se você finalmente aceitou comprar os tais cartões em uma ou duas bancas de revistas ou lojas de conveniências de postos de gasolina que você tem que saber a dedo quais são, além de respeitar os horários exdrúxulos deles diariamente ou nos fins de semana, e começou a utilizá-los, já começou tarde porque já lançaram outro novo produto para substituí-lo. Ah, então você continua resistente às mudanças deste povo arrogante? Pois tome essa: os tais lugares que vendiam os passes eletrônicos de cartão vão parando de vender a passam a só venderem os tais Opal. E agora José? Fugir pra onde? Sem cartão você não anda, e dinheiro não vale mais nada hoje em dia, na era da eletrônica.

Maquininhas maravilhosas e fáceis de operar... vírgula, não, só
depois da prática
E é assim que os poderosos vão obrigando todo mundo a se submeter às suas exigências, com ganhos só para eles. É assim que eles impõem estacionamentos caros, proibidos, com vários preços de acordo com a comodidade, e lhe deixa absolutamente sem opção, mesmo numa cidade como Canberra, que tem mais espaço vazio do que ocupado, mas tudo é proibido.

São tantas proibições que, com o tempo, você passa a odiar a Austrália. Portanto, quem ama a Austrália, ou é turista ou mora a pouco tempo e por isso tolera tudo porque está "aprendendo". Por isso cada vez mais pessoas preferem morar ao relento, onde não têm obrigação de nada, e até recebem comida de graça. Elas se livram de todas as restrições e proibições e passam a viver olhando a lua, sem fazer nada e livres da arrogância de quem lhes cobra responsabilidades. Mas isso é o que todo australiano sempre sonhou...

Malha ferroviária de Sydney. Agora já mudou tudo no centro
por causa do novo corredor de trams na George street, a ser
concluído em... 2018! Caos total durante 3 anos.
Minha mulher, aparentemente, vai neste caminho. Aqui na Austrália ela foi-se tornando cada dia mais intransigente, odiando o sistema de complicar tudo só pelo prazer de causar o inferno na vida dos outros. Ela responde com repugnação e rejeição, e não tem mais nada que pareça bom o bastante que a gente não procure os roubos e falcatruas por trás, porque elas sempre existem. Você passa a sentir-se explorado, espremido, sugado, sentindo-se um trouxa, enganado pela beleza de gramados pagos com o suor do seu imposto de renda. Tudo é caro, e tudo é tirado do seu bolso, esteja ciente ou não. E quando anunciam que vão dar mais proteção às mulheres contra a violência doméstica, você odeia elas pois quem vai pagar por tal proteção é você, através do seu tax (imposto de renda maior).

Quem sabe também não estamos no caminho de acamparmos no Belmore Park... talvez não porque finalmente os preços das residências em Sydney caíram em 10% de uma tacada só. É o início do estouro da bolha, principalmente depois que se descobriu os milhões de dólares que os chineses têm empregado nas propriedades australianas, os quais são resultado de crimes e falcatruas, conforme denunciado pela rádio ABC.

Veja aqui a realidade (em Inglês mas com excelentes fotos), "Eles chutam, dão porrada e cospem em nós quando estamos dormindo: por dentro da cidade de tendas dos desabrigados", onde os oprimidos da Austrália vivem em meio à miséria no centro de uma metrópole resplandescente:

http://www.dailymail.co.uk/news/article-3160130/They-kick-punch-spit-asleep-homeless-tent-city-Australia-s-downtrodden-live-amid-squalor-centre-Sydney.html

Eles estiveram no Brasil na copa mas não levaram de lembrança o costume de queimar os pedintes nas calçadas...

Apesar de ter desenvolvido esta resistência a mudanças aqui na Austrália, minha mulher não costumava ser assim. A prova é que veio comigo para a Austrália. Mudança maior do que essa é difícil de se inventar. E mesmo assim, depois de muita resistência, ela adotou o telefone celular, os emails, o Skype, os blogs, os e-books e ultimamente entrou para o clube do WhatsApp, por pressão da "comunidade" e da comunicação fácil com o Brasil, também para manter a nossa língua viva. 

Nota 10 para ela.

É nestas horas de revolta e ultraje que nos lembramos das coisas boas do Brasil que nos dão paz e harmonia. Por exemplo, aqui vai um link para o filme Chico Xavier com legendas em Inglês (Chico Xavier - English Subtitles). Nota 10 para ele.

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