quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Qualidade do Jeitinho Brasileiro I

O "jeitinho brasileiro" pode ser aplicado no trabalho em um país como Austrália.

Dividi esta série em 5 textos pra ficar mais palatável aprender um pouco sobre a nossa profissão sob um ponto de vista completamente diferente do acadêmico.

Hoje, depois de ter convivido muitos anos com os australianos, e trabalhando numa empresa basicamente multi-cultural e globalizada, meu "jeitinho brasileiro" é muito respeitado. 

Grupos de Qualidade

Fazemos parte de grupos de qualidade e voltados ao bem estar dos funcionários já a alguns anos. Ouvimos coisas como minha opinião ser importante porque ela é diferente, sob outro ângulo, um ângulo que o australiano comum dificilmente pensaria. Quando aparece a oportunidade eu dou a visão dos imigrantes, muitos deles com pensamentos parecidos com os dos brasileiros, a fim de alertar as diretorias para tomarem decisões mais adequadas.

Multi-culturalismo significa gente de vários países convivendo no 
mesmo escritório, cidade ou país, porém no Brasil, sendo também
multi-cultural, nós, brasileiros, tendemos a ver todo mundo como
igual, sem diferenças raciais. A única coisa que vemos é diferença
financeira, o que não é bom, mas é menos mal.
Meu "jeitinho brasileiro" já foi capaz de mudar a empresa, o estilo de gerenciamento, e os procedimentos geralmente estanques, mas não sem ter tido ácidas discussões com chefes, arriscando minha permanência por me atrever a confrontá-los. 

Multi-Culturalismo

Com o tempo me foi sendo dado espaço para expor minhas ideias, e hoje elas são fundamentais, valorizadas e consideradas nas mudanças culturais da empresaO que antes pareciam resmungos de um chicano audacioso, transformou-se num porta-voz das outras culturas. Lembre-se, 40% dos australianos são descendentes de estrangeiros não anglos, e geralmente eles votam mas não tem voz e aceitam tudo, pois afinal não são eles que fazem as leis.

A primeira impressão que um estrangeiro tem do brasileiro é, quem é esse metido a besta, o que ele pode nos ensinar vindo de um país campeão em corrupção e dos mais violentos do mundo? Até antes dos últimos governos do Brasil eles não sabiam o quanto avançado era nosso país, que possuia a terceira fábrica de jatos comerciais do mundo e onde vivia o povo mais feliz do planeta cuja presidenta era uma das mais poderosas mulheres do planeta.

Brasileiro é tão burro que gosta de dar tiro no pé criticando as 
atitudes de seus conterrâneos ao invés de valorizá-las
Por causa dos recentes protestos no Brasil, hoje tenho que explicar a razão para pessoas atônitas sobre o que está acontecendo. 

Minha tática é a seguinte: acesso uma notícia em Inglês, boto na tela do meu computador no trabalho, me viro pro chefe anglo e digo, veja só o que anda acontecendo no Brasil. Os investidores continuam achando que é um dos melhores países do mundo em termos de mercado, mas os brasileiros querem o impeachment da presidenta. Você vê alguma lógica nisso? Não é preciso nem dizer que é o poder da mídia dos milionários que quer sua queda porque ela tem ajudado aos pobres, uma vez que ele já sabe e já me disse antes de eu falar. 

Um dia destes estampei uma foto deslumbrante de uma cidade costeira brasileira onde eu havia circulado o escritório da nossa empresa em vermelho, projetei na sala de conferências no início de uma reunião, e passei a divulgar os dados que tinha obtido no dia anterior enviados por uma sobrinha estudando no exterior. A empresa havia crescido perto de 100% no ano passado. Não existe outro país do mundo que permita tal crescimento. A poucos anos atrás, a empresa havia divulgado num evento comunitário que um dos mercados mais atraentes para ela investir era o Brasil e que com certeza iria ser considerado.

Quantos brasileiros vocês acham que tem coragem e vontade de fazerem o que eu faço?

Isso é o que é mais intrigante, a má fama do brasileiro é espalhada por ele mesmo numa mistura de masoquismo e complexo de coitadinho. 

É Suporte à Produção: mas nem "produz" nem "suporta"
Suporte à Produção Campeão

A principal mudança no trabalho depois que fiz valer o "jeitinho brasileiro", a meu ver, deu-se a cerca de um mês atrás. 

Pela primeira vez em toda a minha carreira profissional ouço uma empresa dar valor ao Suporte à Produção.

Geralmente o valor é dado ao Desenvolvimento e Engenharia de novos projetos em informática, o grande letreiro luminoso e resplandecente da porta da frente, e Suporte à Produção tem sido sempre o patinho feio da organização, a porta dos fundos, que faz a faxina e esconde a sujeira embaixo do tapete.

Geralmente o conceito de quem trabalha nesta área tem sido o de que são profissionais estacionados, idosos e intransigentes que odeiam mudanças, os famosos dinossauros, profissionais que causam mais problemas do que resolvem, cheios de vícios, manias e "jeitinhos brasileiros". 

A verdade é que se trata dos experts, técnicos mais experientes, mais estáveis, mais confiáveis, com maior sabedoria sobre o sistema e ambiente, e com as ferramentas e o conhecimento para consertar as coisas com cuidado e muito jeitinho, os mais invejados. Para mim esta novidade não me impressionou tanto quanto deveria porque a empresa já deveria ter feito isso faz tempo, e todas as outras empresas do mundo também, valorizar o conhecimento e experiência de seus funcionários mais antigos e mais interessados e procurar mantê-los. 

SDLC -- System Design Life Cycle (Ciclo de Vida de Desenho de
Sistemas) e o Q de Qualidade. Planejamento, Definição dos
Requerimentos, Desenho, Desenvolvimento, Teste, Implementação,
Operação e Manutenção. No fim da vida, a Dispensa no rabinho 

do "Q". Quanto melhor a manutenção tanto melhor a qualidade e
mais longe a Dispensa do sistema. Isso significa muita economia e 
excelente reputação às vistas de quem paga por isso, os clientes.
Durante 10 anos temos construído um novo universo em termos de Suporte à Produção, área em que pela primeira vez comecei a trabalhar seriamente nesta empresa como Gerente de Problemas e Gerente de Incidentes, alternadamente. Para mim trata-se do fechamento do ciclo de vida da construção de sistemas, algo que faltava na minha vida profissional.

Tendo trabalhado por algumas décadas em projetos e desenvolvimento, criando e construindo sistemas, pouco havia sido exposto à manutenção dos sistemas depois de implementados. Soltava a fera e o povo que se protegesse. 


Comunicação

Ao trabalhar com isso agora, descobri e aprendi várias coisas e, ao longo dos anos, venho "sanando" todos os problemas de comunicação entre estas duas áreas, e entendido de perto o que irrita os usuários depois das implementações e o que dificulta o trabalho de suporte aos clientes com intenção de vê-los realmente felizes e satisfeitos ao invés de apenas tolerantes e condescendentes. 

Que fique bem claro que, quando falo "eu", não sou eu mas toda uma equipe de profissionais qualificados e especialistas. "Eu" sou apenas um pouco de inspiração, quando necessário, e talvez uma boa fonte de dicas e um bom modelo funcional para se copiar (assim como bom modelo masculino de pai). Sim, já me falaram isso...

Agora mesmo meu filho me mostrou um vídeo game que comprou com 11 anos, uma relíquia, e disse, olha aqui, para maiores de 15 anos, e eu, vixe, que pai que você tem, e ele, justamente, eu adoro o pai que tenho, e eu, ainda bem que você não se tornou criminoso ou drogado por isso, e ele, justamente por isso, pela liberdade e confiança que você me deu...

Então, no trabalho o resultado foi uma equipe que é uma máquina lubrificada e ágil que hoje é um exemplo na empresa e desfruta de ser responsável por alta qualidade, cujo esquema de trabalho abriu portas para outros contratos com o mesmo cliente, por causa de sua excelente reputação neste setor crucial da sociedade. Hoje os mais recalcitrantes usuários que são contra modificações radicais, depois das nossas apresentações e roadshows, declaram estarem dispostos ao "give it a go" australiano (dar uma chance, pagar pra ver) enquanto as diretorias não se cansam de propagar nossa excelência e nos elogiar. 

É muito bom você viajar e começar uma reunião com usuários do país inteiro, sabendo logo que tem gente alí que praticamente lhe odeia, está fulo da vida com o que imagina ser uma imposição irracional, que vai lhe amarrar, atrasar seu trabalho, que vai lhe encher o saco, e depois da apresentação ele mudar de cara e na saída dizer que vai tentar e testar o sistema. É muito bom você ver sua apresentação ser tomada de assalto e viajar o país, convencendo meio-mundo de que as terríveis complicações aparentes, na realidade, são bonitas e úteis. E depois de dois anos você ver o projeto duplicar de tamanho por causa da aceitação geral. É muito bom você ouvir que gerenciou um grupo capaz de implantar a "ultimate" modificação no sistema (a mais suprema) desde sua criação, é muito bom fazer parte desta equipe e ligar-se nela pelas redes sociais.

As surpresas decorrentes foram surpreendentes. Este ano o Suporte à Produção foi alçado ao mesmo patamar do Desenvovimento e Engenharia de Sistemas, e dentre os elogios que andamos recebendo, está o de que temos muito o que nos orgulharmos de termos sido capazes de atendermos ao cliente em altíssimo nível, reconhecido e propagado por ele próprio aos quatro ventos, gerando recompensas inesperadas. Esta semana mesmo soubemos que andamos gerando lucros acima dos imaginados, uma boa notícia para quem recebe bônus anuais conforme a performance.

Pela primeira vez ouço uma empresa dar valor ao Suporte à Produção ao ponto de mudar sua estrutura interna e criar um novo plano de carreira para os envolvidos. Pela primeira vez vejo a possibilidade daqueles que trabalham para manter a reputação da empresa realmente estarem sendo reconhecidos, e isso vindo de uma empresa deste porte, é de se admirar. 

Esta mesma empresa pulou do status de elefante branco para uma nova empresa com fóco na agilidade e alta tecnologia durante os últimos anos. Ela vivia sentada nos louros de ser uma das maiores do mundo, entre as primeiras em seu setor e bajulando os grandes clientes. Se antes ela, na pessoa de seus diretores, irritantemente só falava em crescer (growth) nos eventos comunitários, hoje ela se preocupa mais em manter a reputação própria e dos clientes, uma grande, inesperada e inteligente guinada, pois percebeu que cresce mais desse jeito.

E, pasmem, anos atrás um diretor foi capaz de dizer num dos eventos comunitários que a empresa só focava em grandes contratos, e que os pequenos contratos eram insignificantes e tendiam a desaparecer. Aquilo me deixou muito indignado e, sim, pasmem, o nosso é um pequeno contrato que, em cerca de alguns anos pulou de um nadinha desprezível para o pilar de vários outros grandes contratos devido simplesmente à sua excelência. Quem diria! Uma coisa é você trabalhar para o sucesso, outra é você obter sucesso porque trabalhou bem sem visá-lo, é muito mais estimulante.

Call center, os odiados e judiados. Pode ter certeza, nenhum é bonito
assim.
Call Centers

Quando se fala em Suporte à Produção, só se pensa em call center. Mas na realidade, por trás daqueles telefonistas com tendência a serem odiados, existe um forte esquema de profissionais imbuídos em consertarem os problemas que são reclamados pelos usuários aborrecidos dos sistemas. 

No nosso caso não operamos os call centers, apenas resolvemos os problemas mais sérios, mas damos feedback e facilitamos a vida deles. Foram muitas medidas tomadas a fim de resolver vários gargalos que só faziam o número de problemas não resolvidos crescer indefinidamente, a lista de incidentes permanecer sempre aumentando, tudo se tornando mais e mais complexo, caótico e cada dia mais necessidade de contratar-se mais gente, aumentando os custos e prejudicando a credibilidade quando cada dia o usuário reclamava mais. 

Bom Dia

Começamos mudando a cultura da empresa com uma simples atitude bem brasileira: dar "bom dia". Logo no início notei que os australianos em geral não gostam de nada que o brasileiro gosta em termos de afetividade. O que eles gostam é de tiradas sardônicas e picardias, algo assim como ver alguém ganhar um beijo, ficar louco de inveja, e dizer que beijo é anti-higiênico. Eles têm lá suas razões que eu posso falar um pouco, brevemente, aqui.

Bom dia, em australiano... não propriamente, só nos pubs (bares).
Mate não é chá mate, é "companheiro", mas pra "bro".
E eles não dão "bom dia". 

Comecei dando "bom dia" sem esperar resposta. Depois de um tempo algumas pessoas assimilaram meu exemplo, e hoje as pessoas chaves à minha volta todas dão "bom dia" e dizem "tchau", "até amanhã" ou "bom fim de semana" até mesmo sem sentirem. Trabalhei 5 anos numa empresa australiana também bastante multi-cultural e notei que as pessoas já eram daquele jeito. Nesta empresa resolvi tentar mudar esta cultura horrorosa. Pelo menos nos "bom dia" nós conseguimos.

O australiano não gosta nem de apertar a mão das pessoas. Descobri que é porque muita gente vai ao toalete e não lava as mãos então seria a mesma coisa que nós pegarmos no... do outro. Melhor não, não é mesmo? Não senhor: melhor é lavar as mãos e com sabão. É tão fácil com tudo automático hoje em dia, só se toca na água... e na maçaneta.

Australiano não aperta a mão no toalete... porque está com o
celular...
O australiano não gosta de dar abraços. Essa é uma longa história que passa pelos abusos sexuais que muitos sofrem em casa por causa das famílias destroçadas, mães que introduzem padastros que se introduzem em outras paragens... o australiano acabou sociopata, não quer nada com ninguém, não me toquem, não cheguem nem perto, respeitem meu espaço vital (de meio metro de distância em todas as circunstâncias) e me deixem em paz com meus esqueletos no armário, como disse minha nora. No ônibus lotado? O motorista não deixa você entrar se ele acha que o ônibus já está cheio, mesmo que você veja que caberiam mais 20...

O australiano não gosta de conversar coisas da família, coisas íntimas, as amizades são superficiais, e como algumas pessoas me explicaram pela enésima vez numa reunião no trabalho, para eles o caminho das relações sociais é bifurcado, quando o candidato a amigo vai se endereçando à intimidade familiar, eles o mandam por um desvio que nunca retorna. Faz parte da cultura. Ou então é preciso você levar muitos anos para conseguir algo parecido com uma amizade estilo brasileira. Quem esperar tanto, ou vai morrer antes ou cada um já tomou seu rumo oposto àquelas alturas.

Príncipe Harry e Fernanda Mota, dois beijinhos, em casa de
perereca, de cócoras com ela
Nos encontros sociais, quando chegam, eles mal acenam para algumas pessoas das dezenas sentadas ou em pé, e saem de fininho pra não terem que falar com ninguém. Tudo muito prático, mas o problema não é a praticidade, é a paranóia mesmo. 

E eu, como é que fico com a minha mania de "tocar" nas pessoas? Bem, existem umas excessões. Jogadores de Rugby estão acostumados com o toque físico e asiáticos vêm de países tão super-lotados que nem sentem que estão ralando na gente... mas tive que me acostumar a conter meus ímpetos de apertar aqui, beijar alí, afagar acolá... nem o tapinha nas costas é permitido. Isso foi trocado pelo Hi-5!

High-5 exagerado, diz-se que na falta de um cumprimento, apela-se
para isso e ponto final, serve pra tudo.
O oposto do brasileiro que faz questão de apertar a mão de todos os machos e dar dois beijinhos em todas as fêmeas, crianças incluídas em pelo menos um afago na cabecinha, que no Brasil pode, e na hora da saída faz todo o ritual de novo. A vantagem é beijar todas as mulheres, e a desvantagem é beijar os trens virados também. O brasileiro leva meia hora pra ir embora, o australiano leva 2 segundos. No fim você tem que apertar a mão de todo mundo e até de quem você não gosta pois caso se recuse, fica muito feio e todos pensam que você não é sério. Australiano acabou com todas estas preocupações e arrumou outras... eles se matam por um afago, literalmente.

Os australianos têm fama de serem pontuais, mas não é porque são melhores do que ninguém, é porque fazê-los esperar é considerado uma ofensa, um insulto, pois obriga eles a inventarem conversa fiada enquanto esperam, que fatalmente descambaria para as intimidades que eles odeiam partilhar. Será que eles realmente merecem tanto respeito? Imagine a fama dos brasileiros no exterior. É justamente nas esperas dos atrasados que o brasileiro se socializa.

Eles nem sequer ficam na porta esperando as visitas se instalarem no carro e arrancarem como os brasileiros estão acostumados por uma questão de estima, e isso sim é respeito. Eles fecham a porta na hora em que a visita põe o segundo pé no capacho, e nem passa pela cabeça deles que elas pensam que eles estavam doidos para vê-las pelas costas. Nossa mãe! Se alegarem que é o frio, não dá pra matar, mas eles têm sempre suas desculpas esfarrapadas, pois eu já perguntei, sim senhor. 

Dalí em diante, a quem eu perguntei passou a demorar-se no terraço até nós darmos adeuzinho do carro. Uma amiga nossa agora pede desculpas quando está muito frio e ventando e fecha a porta com cuidado, com a nossa anuência.

Certo dia meu chefe falou que, se ele tivesse a intimidade que eu tinha com um subordinado francês, ele não teria autoridade para chamar-lhe a atenção. Ora, respondi, não é a amizade que vai me impedir de fazer meu trabalho direito, eu tenho autoridade do mesmo jeito, assim como tenho com meus filhos enquanto sou o maior amigo deles. 

Ternos. Dois advogados, um diploma.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas para eles é uma desculpa para se manterem longe de estranhos porque simplesmente eles não sabem lidar com uma conversa direta e franca, eles têm medo de enfrentar e confrontar, por isso preferem se esconder na distância e na superficialidade. O brasileiro não tem papas na língua (e aparentemente o norte-americano também não, pelo que mostra a série "Suits")...

Quem pensa que minha amizade e simpatia é passaporte para acobertar suas atitudes erradas, que tire seu cavalinho da chuva. Muitas pessoas já pensaram, assim como algumas mulheres na minha vida pensaram que minha cortesia significava fazendo a côrte. Não era, tratava-se apenas de respeito. Mulher não pode levar fora que espalha que o cara é gay.

Não se pode consertar tanta coisa errada na intimidade desse povo, portanto a única coisa ao meu alcance foi dar "bom dia". Porém, o "bom dia" abre portas para a empatia e uma série de outras mudanças.

Sem Fila

No trabalho, hoje estamos no caminho de volta, reduzimos tanto os incidentes de produção que tem dia em que não temos nada para fazer. 

Já cheguei até a ouvir que, se um dia conseguíssemos isso como eu prometia, perderíamos o emprego, ha, ha. Pois bem, conseguimos, e não perdemos o emprego. 

Ao contrário, fomos protagonistas de muito mais empregos novos para outras pessoas através do sucesso da empresa e dos novos contratos obtidos com base em sua excelente reputação.

O tempo livre tem sido empregado em novas soluções e aprimoramento das técnicas de excelência.

Não vou esperar que ninguém se lembre do que me disse no passado, principalmente porque a diretora que me disse já não está mais conosco... 

Afinando-se os instrumentos
Mudança de Cultura

Através das nossas campanhas anuais, as direções, gerências e chefias vieram se afinando, afinando seus instrumentos e aceitando nossos conselhos e denúncias, nossa luta para sanar os buracos de comunicação cuja tendência eram criar monstros e transformar sistemas importantes em sucata a fim de serem substituídos no prazo de uma década.

Tudo feito com muita sutileza "cristã". 

Alguns colegas sentiam a mesma ânsia e cada ideia lançada foi tomando forma real através do entendimento, das interpretações e execuções deles, da empatia.

Eu já havia assistido muito isso no Brasil de décadas atrás, sistemas se sucateando. Hoje este fantasma desapareceu nesta empresa, e estamos todos tão estáveis e bem sucedidos que os resultados têm sido evidentes. Exatamente como eu previa... aliás, os resultados estão excedendo, não esperava tanto...

Mas não espero reconhecimento da autoria de muitas das ideias. O Espírita doa com uma mão de modo que a outra não veja... 

Doar com uma mão sem que a outra veja
O "jeitinho" deste brasileiro foi capaz de identificar e sugerir modificações radicais a fim de obtermos este atual status de perfeição. Isso sim é qualidade. 

Tempos atrás não havia sequer o enfoque de oferecer-se qualidade ao cliente, e os títulos ISO para mim pareciam ter sido comprados com propinas. A qualidade que eles consideravam era dos procedimentos internos da empresa, uma visão egocêntrica. Hoje a qualidade se extende até cada um dos membros das equipes, responsáveis por suas contribuições.

Bem, não é tão perfeito assim, lógico. Trata-se apenas de uma orientação que ajuda. Nada é perfeito nesse mundo... mas é como sempre digo, meu lema é, objetivemos a perfeição pois assim chegaremos à metade do caminho.

Excelência para o Cliente

Fomos nós que introduzimos o conceito de oferecer-se algo mais aos clientes, que eles não esperam, não precisam, e acham que não vale à pena pagar para consertar se vierem a saber. Uma coisa é você aprender isso na escola, outra coisa é você realmente utilizar o conhecimento na prática. Para uma empresa deste tipo, norte-americana, que só pensa em dinheiro, tomar atitude de arcar com gastos por si própria só com a intenção de oferecer excelência ao cliente e obter prestígio, é história da Carochinha. 

Verdade, mais uma vez, que a implementação desta ideia não foi minha como também a maioria das outras. Eu apenas dou as ideias, as pessoas implementam. Nesse caso, ponto pros meus companheiros gerentes e diretores que conseguiram vender minha ideia para a cúpula fundear. A coleção de defeitos que fui catalogando hoje estão sendo sanados a cada 3 meses.

Cada produto com seu código de computador na galeria do escritório
Galeria de Fotos

Uma das medidas para valorizar os profissionais se relacionou com as fotos dos produtos para os quais trabalhamos. Ninguém sabia para que servia nosso sistema ou que tipo de produtos nós tomávamos conta, pois só visualizávamos seus códigos e as descrições eram muito técnicas. Era praticamente impossível viajar para as sedes dos clientes a fim de conhecer os produtos pessoalmente e assistir às pessoas trabalhando. 

Então surgimos com a ideia de que poderíamos colocar fotos dos produtos nas paredes com seus códigos. Meu chefe então as providenciou da internet, imprimiu, colocou em molduras e pendurou em cada coluna do escritório. Agora todo mundo sabe para o que está trabalhando e se sente muito mais gratificado, engajado e orgulhoso, e tem até os fãs que vão nas feiras só para fotografar as novidades e divulgá-las na área social. Mais uma medida muito simples e respeitosa capaz de ajudar a mudar uma cultura para melhor.

A gente sabe o quanto acertou quando de repente, no quadro de avisos da copa, surge uma painel com as silhuetas de uns 30 produtos e um saquinho ao lado pra cada "jogador" colocar o nome certo no produto certo. Os nomes são magnéticos e grudam embaixo de cada produto. Muito bem bolado e espirituoso, meu colega que criou isso está de parabéns. Mas, no momento, poucos conseguem ir até o fim do jogo...

Tira-Teima

Por manter meus apontamentos com precisão sobre os incidentes que ocorriam e organizando o histórico do Suporte à Produção em todos os tempos, criamos uma planilha própria que acabou por tornar-se um poço de sabedoria, uma "Base de Conhecimento" (Knowledge Base) e a publicamos para qualquer um poder acessar, como é de praxe com minhas soluções que eu podia manter só para mim no meu caderninho sobre minha mesinha como todo mundo faz... se eu não fosse Espírita, e o Espírita reparte, doa, faz caridade! 

O guia tira-teima
Quando aparecia um incidente estapafúrdio, lá estavam as medidas tomadas anos atrás quando ele já havia ocorrido mas ninguém mais se lembrava e os funcionários da época já haviam ido embora fazia tempo. Pesquisava-se por palavras chaves e pimba, o pote do tesouro no fim do arco-íris! 

Como havia incidentes que não precisavam de correção nos dados mas apenas de explicações para os usuários agirem corretamente, acabamos por criar um compêndio com tais soluções que entregamos ao call center a partir dos dados compilados naquela planilha. Dalí aqueles tipos de problemas não passavam mais para nós porque eram resolvidos pelo próprio call center lendo no compêndio. Ele se chamou Guia Tira-Teima (Troubleshooting Guide) e seu conteúdo se constituia de "workarounds" ("jeitinhos para contornar o problema"). O conceito é acadêmico, mas a implementação foi orgânica. No conjunto com outras soluções a seguir, o quadro dos apaga-fogo se reduziu de 8 para 2 pessoas hoje em dia em 6 anos.

A planilha também passou a servir de guia para a criação de modelos de soluções repetitivas e consequentes procedimentos, quando tais medidas eram extensas. Muitos coelhos com uma só cajadada, às vezes eu mesmo me espanto... e o que são procedimentos? Lista de passos para realizar uma atividade, partes da Bíblia dos negócios.

Neste momento minhas planilhas estão se transformando num sistema sob minha coordenação, o qual irá fazer parte do arsenal internacional da empresa, a qual não dispõe de nada sequer parecido em termos de controle de Suporte à Produção. 

Olha Eu Aqui

Também foi nossa a ideia de criar uma bandeira que ficasse hasteada na mesa de quem estava responsável pela gerência da fila de problemas pra resolver, porque tal gerência é mutante, uma vez que ela se estende além do horário comercial, e outras pessoas assumem na ausência do Controlador de Serviços (Service Controller). Sugeri uma daquelas bandeirolas hasteadas em bicicletas de crianças para avisar a todo mundo que ali vai uma delas pelas calçadas da vida pois dava pra se ver acima das divisórias do enorme escritório. 

Mas como a secretária não conseguiu descobrir onde comprar o mastro de alabastro com a bandeirinha, o chefe macho alfa faz-tudo resolveu construí-la em sua garagem, usando madeira e lata. Agora nós temos uma bandeira para cada um dos três casos, quem está controlando a fila de incidentes, quem está ocupado com uma prioridade máxima (1) e quem está ocupado com uma prioridade 2, ambas tendo que se resolver no mesmo dia, pois afinal o sistema é "mission critical" (de missão crítica), ou seja, não pode parar de jeito nenhum. Antes desta implementação as pessoas ficavam como baratas tontas, quem está resolvendo o quê? Preciso devolver uma solução urgente, quem está responsável pela fila de problemas para devolver? Quem está precisando de ajuda? Tudo é eletrônico mas muitas vezes a pessoa tem que ser avisada para agir com urgência. Com a bandeirinha lá, pimba.

Se era ridículo ou não, a ideia acabou sendo implementada e quem achou que ficaria "embaraçado" como porta-bandeira teve que mudar de ideia e dançar conforme a música. Nós damos a ideia mas não temos muita noção do que embaraça esse povo, então é deixar que eles próprios as critiquem e as implementem, se forem homens mesmo...

Encontre o besouro e denuncie
Por Baixo dos Panos

Surgimos com outra ideia de que cada um de nós poderia descobrir defeitos de qualidade, documentar, e guardar em um lugar bem fácil e acessível, de qualquer jeito que a pessoa quisesse escrever, assim como riscar num ticket e colar no quadro de avisos da mesa. Outras pessoas então surgiram com o conceito de "under-the-hood" (embaixo do capô - tem preciosidades que ninguém sabe como um baita motor V8), e este é o nome do arquivo de fácil acesso e rapidez.

Desta forma, não fomos nós que inventamos o "under-the-hood". Este conceito já tinha sido levantado muitos anos atrás, mas sua aplicação à nossa ideia foi nova. Funcionou. As pessoas estavam atentas, só não tinham um canal para chamar a atenção para os pequenos defeitos. E algumas se esmeram beirando a perfeição, o que facilita e agiliza muito as investigações, diagnósticos e soluções. É só você incentivar, que muita gente se empolga e agradece. O que está acontecendo hoje são funcionários tão entusiastas que documentam tudo o que é necessário para apresentar oficialmente um diagnóstico resultado de investigação mostrando a raiz do problema, reduzindo em muito o esforço da próxima pessoa a investigar a fundo e produzir o documento "deliverable" (de entrega).

Aí deu a gota serena: danaram-se a descobrir coisas entupindo minha fila de problemas a resolver... nem tudo é perfeito, é como dar dinheiro para pobre que vira classe média e morde a nossa mão querendo mais. Meu consolo é que, quando esta chuva passar, seremos ainda mais elogiados, talvez como deuses...

Reconheça Seu Colega

Também foi nossa a ideia de criar uma forma de modo que qualquer um podia agradecer e parabenizar qualquer outro, porque os funcionários estavam reclamando que não recebiam feedback e nem eram elogiados nem reconhecidos pelos seus chefes. A ideia foi muito bem aceita, mas acabei me arrependendo. 
Reconheça um funcionário e ponha na urna

Pra variar, tem gente que elogia muito certas figuras, enquanto que os mesmos de sempre jamais elogiam, o que continua deixando gente fula da vida. Não é que os elogiados não mereçam, não é isso...

Os elogios são colocados numa caixa ou urna. Os elogios então são lidos nas reuniões gerais a cada 15 dias quando é sorteado um elogio da caixa e a pessoa ganha pontos de performance que resulta em presentes ou gift cards (cartões com créditos para compras), além do elogio tornar-se público. 

Como tem espírito de porco em todo lugar, algumas pessoas acabaram desvirtuando e colocando mais de um elogiado por papel, ou seja, quando o papel era retirado, várias pessoas ganhavam. Proibiram. Enfim, fico imaginando o trabalho que Deus teve para inventar esse mundo com todas estas variações de corrupção dos espertos pilantrinhas.

Da última vez da extração da mini loteria, como havia dois funcionários com o primeiro nome e um deles foi sorteado, o chefe dirigiu-se para o não sorteado que respondeu, não sou eu, eu não faço nada nesta m..., nesta empresa, com aquele precioso sorriso nervoso e sardônico, cheio de sardas. Na realidade seu trabalho é semelhante mas o xará parece capturar mais elogios do que ele por alguma razão misteriosa. Vai ver que é o tamanho de sua ferramenta de trabalho... sua ironia deixou patente que tem gente insatisfeita com uma ideia aparemente brilhante que acabou virando corrupção e propina. 

Tinha que ter sido ideia de um brasileiro, claro... mas hoje um sujeito totalmente anti-social recebeu nada menos do que dois elogios. Glória a Deus nas alturas, alguém se tocou...

Continua...

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