sábado, 17 de junho de 2017

Canguru de Galo

Duas décadas dirigindo nas estradas da Austrália, particularmente em Canberra, a capital federal, onde suas vias são verdadeiras estradas do interior devido ao layout da cidade ter sido planejado ao estilo cidade jardim em que um certo número de bairros é separado dos outros por reservas florestais e em que, para se entrar em cada bairro, só existem uma ou duas entradas de modo a mantê-los segregados, o que não impede os delinquentes de aterrorizarem os moradores com seus pegas de carros velozes, roubados e usados para queimar pneus e marcar as ruas com riscos negros, e eu não havia ainda tido um encontro fatal com um canguru.

Cangurus estão em toda parte neste país, principalmente no inverno frio. Eles parecem gostar do lusco-fusco, talvez porque tudo fica da cor deles, ou seja, cinzento, e eles assim se camuflam, para o horror dos motoristas que vivem os atropelando não só por esta razão mas principalmente porque parece que eles são bichos completamente estúpidos, ignorantes e sem educação, parecidos com certos jumentos brasileiros. Dizem que eles chegam a pesar 90kg e podem atingir até 60km/h pulando.

Quando eles resolvem atravessar as estradas, pouco se importam se o tipo de pavimento mudou sob seus pés, nem eles reduzem a velocidade de seus pulos imensos, nem eles olham para os lados, e desprezam até os holofotes dos caminhões, sem ligar para o povo, como certos jumentos brasileiros.

Típico caminhão trem da estrada, este da Western Star Trucks, na
Austrália
Para se resguardarem, é prática daqueles que viajam muito, como caminhoneiros ou moradores de fazendas, proverem seus veículos com imensos pára-choques de canos de ferro e os pára-brisas com redes metálicas, fazendo seus veículos parecerem blindados como os dos filmes da série Mad Max, não por acaso criada e filmada na Austrália.

Mas a maioria dos carros normais não tem estas gaiolas pesadas instaladas na frente de seus carros, então um encontro com estes bichos pode ser fatal, principalmente dependendo do tamanho deles e dos carros.

Até que chegou o dia em que finalmente tive o fatal encontro com um canguru na estrada, algo que todo australiano espera acontecer algum dia de sua vida, devido à frequência em que isso acontece. Nas estradas vemos diversas carcassas de animais atropelados, principalmente cangurus, como rotina, mas também wombats e raposas, mas nunca pensamos realmente que um dia poderemos ser aquele que atropelou um bicho desses.

Meus encontros com cangurus se resumem a vê-los nos acostamentos, parados ou pulando, mas na direção da pista, sem atravessá-la, ou então pulando e vindo na minha direção no meio de uma estrada larga, dando tempo de freiar e ligar os pisca-alertas para avisar aos outros motoristas de que tem perigo na estrada.

Mas desta vez o canguru resolveu vir ao meu encontro para dar-me um beijo. Ele saiu de uma moita, mas calculou errado e levou um tapa na cara do meu espelho retrovisor do passageiro. Cheguei a vislumbrar sua cara de canguru pelo vidro fechado da janela do passageiro através do rabo do meu olho, mas como sempre acontece em todo acidente, foi tudo tão rápido que o que tive que fazer foi controlar o carro descontrolado após o tal encontro fatal.

A porrada do espelho fechando-se fez um barulho tão grande que pensei que o carro estava todo machucado e ia custar caro para reparar além de que talvez fosse ficar sem carro por um tempo e chegar atrasado no trabalho naquele dia.

Sim, a gente dirige pelo
lado esquerdo num país
de direita
Passei um susto daqueles. Ia pelo atalho Narrabundah Lane (se fala "narrabanda"...) para o trabalho às quase 7 da manhã, sem carros ao redor, quando um canguru me acertou. Tentando controlar o carro, ele rodopiou na estrada e foi parar no acostamento de grama do mesmo lado, mas não virou nem bateu em nada. 

Fui olhar o dano e não achei absolutamente nada a não ser a capa do espelho retrovisor externo do lado do passageiro que sumiu, foi arrancada, mas o espelho estava funcionando direito com todos os seus mecanismos elétricos. Olhei para a estrada e não vi canguru nenhum, canto mais limpo. Não pensei em voltar para procurar a peça que caiu do espelho, imaginei-a quebrada, mas fiz isso mais tarde, quando saí do trabalho. Fui catando os caquinhos da peça plástica branca, mas nenhum sinal de canguru ou de acidente, exceto as marcas dos pneus na pista, exatamente como eu imaginava que tinha sido o trajeto. 


Estava muito frio e meio escuro ainda na hora do encontro. Como foi depois de uma curva, talvez o canguru estivesse lá ainda, depois da curva, mas eu não fui ver, só pensei em ver se o carro estava funcionando direito. Eu não iria chamar nenhuma ambulância para ele mesmo. Só passou um carro de volta que diminuiu um pouco quando me viu circundando meu carro pra ver se tinha dano. Circundei de novo, minuciosamente, quando estacionei no trabalho, intrigado, mas não havia marca de nada além da falta da capa do espelho.


Se você colocar "car hit by kangaroo" no Google imagens vai ver cenas de arrepiar. Para mim, serve para agradecer a Deus (ou Alah). Uma fração de segundo a menos e teria batido de frente.

O interessante foi que o carro controlou o que poderia ter sido um acidente feio. Ele e Deus (ou Alah). Se viesse carro no sentido contrário, poderia ter sido um acidente medonho. Eu estava na velocidade marcada para a estrada, 80km/h, e não se poderia prever tal acidente por mais atenção que se tivesse. Nem câmera pegaria a causa do acidente.


O carro rodopiou como este...
Como era uma curva, na tentativa de parar o carro rapidamente, isso fez ele continuar como se fosse lógico na curva sem saber que ela já havia terminado, e dirigiu-se para o acostamento da esquerda, e quando virei a direção pra direita a fim de compensar, ele continuou desta vez pra direita, atravessando a faixa, mas acabou voltando pra minha faixa e parando no acostamento, em sentido contrário e meio enviesado conforme a figura do trajeto que desenhei acima, uma vez que evitei bater numa árvore do outro lado e acertar dois pauzinhos que, mais tarde, eu verificaria marcavam um grande buraco de esgoto que, se o carro tivesse caído dentro, seria preciso guinchá-lo. 

Durante as manobras, senti que ainda tenho sangue frio para reagir conforme a situação mesmo depois dos "entas" anos, por mais rápida que ela aconteça, sem entrar em pânico nem deixar sem tomar a atitude adequada, virando pra cá ou pra lá conforme a dança, pra evitar bater nisso ou naquilo, apesar da síndrome de letargia que atinge os motoristas na Austrália por causa do excesso de "segurança" que praticamente lhe roubam a capacidade de reação. No Brasil, como sempre gosto de dizer para os australianos, somos obrigados a dirigir sob tensão devido ao grande número de idiotas e aos perigos sem placas de sinalização e advertência adequadas em toda parte, então estamos sempre prontos para o perigo, reagindo com velocidade e precisão. Pois bem, parece que isso é como andar de bicicleta, uma vez aprendido, nunca mais se esquece.


Sem VSC, com VSC
Os sistemas do carro são Controle de Estabilidade do Veículo (VSC) e Controle de Tração (TRC). O VSC ajuda a evitar a derrapagem nas curvas e é particularmente útil em superfícies úmidas ou escorregadias, ajudando a garantir que o carro vá para onde estiver direcionado pelo motorista. Isso talvez queira dizer que eu não devia ter tido nenhuma reação, e o carro pararia sozinho. Exceto que eu estava saindo de uma curva, e portanto tive que fazer meu papel de colaborador do carro inteligente.
O TRC ajuda a minimizar a rotação da roda ao se reduzir ou acelerar em superfícies escorregadias, o que é particularmente útil ao sair numa subida embaixo de chuva, quando as rodas da frente em carros com tração dianteira (quase todos) derrapam.

Com ABS, sem ABS, ponto da freada. O pontilhado significa que 
as rodas agarram e soltam ao invés de travarem e derraparem. 
Até então eu não sabia como funcionava e por isso reclamava 
da vibração extemporânea
O terceiro controle é o ABS, Sistema de Freio Inteligente, para ajudá-lo a travar com segurança em todos os tipos de condições e situações de condução, é um sistema de freio altamente sofisticado que inclui Sistema de Travagem Antibloqueio (ABS), Auxiliar de Freio (BA). Se houvessem um Sistema de Segurança Pré-colisão (PCS) com Aviso de Colisão Direta (FCW) e Freqüência de Emergência Autônoma (AEB), eu queria ver como eles iriam funcionar neste caso de colisão lateral.

Suponho que, com ou sem estes trecos aí, o motorista ainda tem um papel, caso contrário não haveriam tantos acidentes com carros chiques na estrada. Assim, não se pode virar a direção muito, porque o carro tende a capotar, é preciso controlar a virada com precisão matemática, dosando as reações com as respostas dos tais controles, e isso tem que ser pensado em frações de segundos com os olhos vendo e avaliando tudo ao redor, uma reação praticamente automática e baseada em nossos sentidos. Minha atitude foi dosada pelos reflexos automáticos não conhecidos do carro. Senti quando os sistemas de segurança do carro tomaram o controle evitando derrapagem, junto com o freio ABS que também não deixa o carro desestabilizar sem controle, e por isso ele parou rapidamente e sem capotar. Se eu queria testar como funcionavam tais sistemas, conforme ventilei ao vendedor quando comprei o carro, agora já tenho prática.


Inclusive, vi numa revista que o povo reclama deste modelo de carro porque o dispositivo dos freios dá um tranco quando freiado de repente. Disseram na concessionária que é uma particularidade deste mecanismo, assim como o pessoal dos serviços de manutenção também me disse, pois eu pensava que era defeito, já que é raro de acontecer. Senti este tranco quando ele forçou o carro a parar. Quer dizer, a escorregada foi mínima, toda controlada pelo sistema. Você sente quando o carro começa a escorregar e imediatamente o sistema controla evitando. Suponho que o tranco faz com que os pneus agarrem na pista ao invés de soltarem-se, e olhe que os pneus que comprei por último gostam de escorregar com facilidade. Eu posso não confiar nos pneus, mas agora confio mais na corporação global japonesa que fez o carro.

Liguei o carro, ele pegou normalmente, e prosseguiu normal na estrada até o trabalho, com perfeição e precisão, sem sequer baixar nehum pneu.

Canguru com galo por aí...
Engraçado que eu vinha atento a cangurus, como que prenunciando porque sei que eles gostam daquela temperatura fria e quando está tudo escuro, é quando eles mais são atropelados, até porque são da cor do lusco-fusco, da cor de Canberra, como diz minha mulher, 50 tons de cinza. 

Mas foi ele que me atropelou, saiu do nada, e me atingiu de lado, eu jamais poderia tê-lo visto para evitar. Posso acreditar que ele deve ter freiado quando viu o carro em cima dele e só meteu a cabeça no meu espelho. Ele não tinha freio ABS e deve ter ganho um galo. O espelho bateu e fechou com um barulhão, pá!, sequido de um barulhinho de bru-lu-lu-bi-lu, que deviam ser as patas do bicho atrapalhado. Pensei que o carro teria um baita machucão, mas não tinha nada, nem um risco. 


Quer dizer, essa de canguru na estrada é uma verdadeira loteria na Austrália, você nunca sabe, mas um dia pode acertar.


Como Funciona o Controle Anti-Deslizante e o Freio ABS

Quando se freia muito rápido, a tendência é as rodas travarem e o carro escorrega na pista perdendo-se o controle pois ele vai para onde quer, riscando o chão de preto como a gente vê as marcas por ai. Isso não quer dizer que boyzinhos não possam controlar seus carros roubados para riscarem o chão de propósito, pois eles roubam carros potentes antigos e sem ABS, que são os preferidos da juventude australiana desocupada. Um dos meus carros velhos australianos foi um Fordão Falcon SS, que foi roubado, é claro. Mas recuperei e sem dano, porque devo ter merecido.

Acho que os cachorros não querem se molhar...
O freio ABS não deixa as rodas travarem, ele dosa a desaceleração de um jeito que o carro não derrape, soltando e prendendo as rodas, o que causa o tranco. O que faz o carro não derrapar é as rodas continuarem rodando porque os pneus agarram na pista, desacelerando mas sem perder a aderência. Se derrapar, perde-se o controle, se não derrapar, ainda se tem controle do carro e ele pára mais rápido, em menor distância, sob o comando do motorista. Eu não escreveria isso aqui se não tivesse passado pela experiência.

Por cima disso tem o controle de deslizamento mesmo, que é outra coisa. Quando o computador sente o carro se comportando diferente, ele toma o controle das rodas e do motorista, e dosa a velocidade de modo a não perder a aderência na pista e nem a direção. Assim, quando atravessamos uma parte alagada de uma estrada de repente, o carro tende a dançar e sair do controle, desviando-se da trajetória. É quando o sistema entra em ação e quando o carro vai pra um lado, ele corrige para o outro, e assim mantém a linha reta sem deixar o carro sair da direção normal e atingir os outros ou sair da estrada. Mas e quando a derrapagem é de lado? Sempre haverão excessões...


A gente sente quando o carro está se comportando sozinho, fazendo coisas que não estamos mandando, o que soa como desgovernado, mas ele está mais no controle do que nós, motoristas. Já senti isso umas duas vezes na estrada quando passei por cima de água escorrendo na pista. A gente tem até susto porque o carro está fazendo coisas que não estamos mandando. É como o controle de velocidade, cruise control. No início, quando eu não estava acostumado, estranhava quando ele acelerava sozinho subindo os morros. É que quando o carro está subindo o morro, a tendência é reduzir a velocidade por causa da resistência e do esforço, mas o controle não reduz, ao contrário, ele compensa acelerando mais para manter a mesma velocidade de cruzeiro, então isso nos dá um susto porque nossa intuição nos diz para reduzir, e ele está acelerando. Vem o pânico, carro maldito, cê tá louco? 


O susto é maior quando ele faz isso no topo de um morro que logo a seguir tem uma descida. Como o controle não freia, o carro aumenta muito a velocidade na descida, nos dando mais um susto. Foi assim que aconteceu na frente de uma patrulha lá perto da escola secundária dos meus filhos em Canberra. Para o guarda, parecia que o carro vinha à toda velocidade, quando foi o controle que "errou". Mas devia ainda estar dentro da tolerância de 30% a mais da velocidade limite porque a patrulha não fez menção de nada.

Moral da Estória


Você sempre vai encontrar um canguru na sua vida na Austrália. Colegas falaram sobre vários encontros de conhecidos com cangurus que destruíram seus carros, e até causaram acidentes fatais, com mortes de ambos os lados.


Convicção dalanhosa: Cangurus são bichos perigosos, assassinos, à sua espreita na calada da noite, líderes de organizações criminosas que comem criancinhas! Precisa desenhar?

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