quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Qualidade do Jeitinho Brasileiro IV

Continuação...

Esqueci as mais importantes vitórias do "Jeitinho Brasileiro" em nossa equipe de trabalho.

Um pouco de teoria chata.

Dentro do SLDC (System Development Life Cycle - Ciclo de Vida do Desenvolvimento de Sistema) tínhamos os seguintes "deliverables" (produtos a entregar):
  • US - User Specifications (Especificações do Usuário)
  • IA - Investigation Analysis (Análise e Investigação)
  • DD - Detailed Design (Desenho Detalhado)
  • P&UT - Program and Unit Test (Programa e Teste da Unidade)
  • AT - Assembly Test (Teste de Interfaces)
  • RT - Regression Test (Teste de Regressão)
  • PT - Partido dos Trabalhadores, digo, Product Test (Teste de Integração)
Todos passos caracterizados por um "deliverable" (documento a ser entregue) ao cliente para aprovação, todos dependendo do passo anterior sem o que não podia-se prosseguir. Tudo muito metódico e científico.

Este era o padrão da empresa e de todas as empresas que trabalham com IT (IT-Information Technology - TI-Tecnologia da Informação). É um padrão criado para o desenvolvimento de projetos baseado na prática, é claro. Um padrão que não serve para Suporte à Produção.

Um concerto para consertar sua mente e seu humor
O Desenvolvimento parte do nada para entregar uma coisa nova. O Suporte à Produção parte do que já existe para entregar um conserto. O Desenvolvimento cria à vontade, o Supporte à Produção remenda o que já foi mal-criado.

Para o Desenvolvimento é mais fácil lidar com estimativas de custos e recursos necessários à execução do projeto novo, mas para o Suporte à Produção é necessário conhecer-se a fundo o que existe para ter-se uma noção exata dos custos e recursos necessários para remendar. Dificilmente alguém consegue este nível de conhecimento, exceto os funcionários com mais de 15 anos na empresa (e ainda existem alguns), quando os sistemas e ambientes são muito complexos.

O Suporte à Produção investiga um problema existente e descobre a raiz da causa (root cause) e ponto final. Quem vai descobrir a solução ou como resolver o problema é o Desenvolvimento. Eventualmente podemos fazer isso também, mas em muito menor escala.

Filme IA, Inteligência Artificial, que não é o documento sobre o qual
estou falando
Mas o documento IA (Investigation and Analysis - Análise e Investigação) era um produto para todo mundo. Este documento descreve o problema, a solução e determina as estimativas de custos e recursos necessários (pessoas) a fim de viabilizar a implementação da solução. Este documento também responde a cerca de 150 perguntas ou mais, relativas ao que mais é preciso atualizar junto com a solução, como por exemplo, atualizar:
  • Manual do Usuário
  • Manual Técnico
  • Online Help Page (Página de Ajuda Online)
  • Especificações do Módulo
  • Definições e Descrições de Telas
  • SQLs de Leitura ou Modificação dos Dados
  • SQLs dinâmicos (montados quando executados através de parâmetros)
  • Scripts
  • Verificadores de Dados
  • Desenho do Sistema
  • Definições de Objetos de Interação com Usuário
  • Desenho e Esquema de Tabelas de Banco de Dados
  • Necessidades de Tipos de Testes
  • Montagem da Documentação Geral do Módulo
  • Desenho Detalhado da Solução
  • Conversão de Dados
  • Documentação do Sistema em Alto Nível
  • Documentação do Sistema em Detalhes
  • Etc
Estas dezenas de documentos eram espalhadas pela rede (network) de modo que ninguém sabia ao certo onde estava cada um dos tais documentos a fim de estudá-los e avaliar se eles necessitavam ser atualizados ou não. Alguns documentos eram armazenados em ferramentas de desenho de sistema, fora da network. Isso nos fazia perder um tempo enorme procurando. Por mais que se escrevesse um guia de como achar os documentos, de um ano para o outro eles já haviam mudado de lugar, de formato, de versão, era um caos total. Uns pecam por falta, outros pecam por excesso...

Mapa da Mina

Veja aqui como resolvi o problema da multi-documentação, com meu Indiocy (nome fictício)...

http://conypre.blogspot.com.au/2014/12/estilista-frustrado.html

Não Ria

Ora, se não estamos acostumados a desenvolver, também não temos noção de como estimar custos e pessoas e não precisávamos de toda aquela informação àquela altura do campeonato. Porém, tínhamos a obrigação de inventar e convencer porque o documento era assim e era o único a servir para dar o diagnóstico do problema.

Quando entrei na empresa dei de cara com a necessidade de entregar estes tipos de documentos sob o ponto de vista do Suporte à Produção para o qual fui contratado devido ao nível de minha experiência. Acontece que, mesmo com toda a minha experiência, era difícil para mim avaliar quantas pessoas seriam necessárias para sanar um problema, e também quantas horas seriam gastas naquela instalação e naquele ambiente informático com aquele nível de especialistas. Eu mal conhecia os caras, quanto mais saber sobre a competência deles.

Minhas primeiras experiências foram desastrosas. Pela minha experiência, X dias e Y pessoas resolveriam um problema. Na prática, acabamos por furar todos os prazos estipulados porque tudo era sempre muito mais complicado na Austrália do que eu já havia visto na minha vida. As mínimas tarefas eram complicadíssimas. Por exemplo, atualizar um manual, que devia levar dois dias, acabava levando 10 dias. Um teste que deveria durar algumas horas, durava 3 dias. Um conserto numa linha de código que deveria durar 10 minutos, acabava varando noite adentro.

Arrancando os cabelos...
Depois de arrancar alguns fios de cabelos (eu ainda tenho cabelos), comecei a ladainha das reclamações bem brasileiras. Mas isso não pode ser, isso está errado, isso é impossível de fazer, vocês são uns exploradores, tem milhares de documentos inúteis, e saí desfiando o rosário. De tanto eu falar e ter razão, o chefe resolveu quebrar a rigidez das normas e procedimentos vigentes em toda a empresa global, e inserir um novo "deliverable" no meio da corrente de documentos. Ele reconhecera a necessidade e eu participei da criação daquele documento, inclusive escrevendo um guia de preenchimento.

Este novo documento chamou-se RIA (Result of Investigation and Analysis - Resultado de Investigação e Análise, nome fictício, não ria). Este novo documento era uma IA sem a parte das estimativas. Foi um alívio para todo mundo. Não era preciso mais arrancar-se os cabelos e a tarefa foi passada para quem tinha mais experiência na área de planejamento. Nossa experiência se resumia à investigação de problemas existentes e identifica
ção da raiz deles.

De modo que sou o pai biológico do RIA (não ria), que foi criado por outro pai com "recursos maiores" para isso. Realmente, ele é mais alto... Este documento tem-se provado muito útil e fundamental, além de ter agilizado o processo de identificação das raízes do problema, o que facilita o processo de desenrolar uma solução. É um tal de RIA pra cá, RIA pra lá, o tempo inteiro e todo dia, o RIA virou uma estrela sem tatuagem de estrela. Os analistas de Desenvolvimento não precisavam mais estudar as causas, e nós do Suporte à Produção não precisávamos mais inventar estimativas irreais.

Davi e Golias, não ria...
Uma simples mudança que demorou para ser implementada porque ia de encontro aos procedimentos estanques inventados pela teoria de sistemas das universidades mundiais. Ainda hoje, ao argumentar que o RIA modificou os tais procedimentos com o chefe, uma vitória minha, ele diz que tal documento não faz parte do SLDC, e realmente não faz. Faz mas não faz. Ele é fundamental no ciclo, mas porque não veio da universidade, então ele não existe.

Enfim, mais uma briga vencida pelo jeitinho brasileiro do David contra o elefante branco Golias. Só faltou eu lhe arrancar a cabeça...

Dados armazenados
Validação de Dados

Aprendi na escola que os dados deviam ser armazenados numa biblioteca chamada repositório de dados (eu falei repositório, não supositório) com tudo relativo a cada dado para ser facilmente acessível, mas em toda a minha carreira profissional jamais vi tal coisa na prática. Será que existe em algum lugar? 

Só no Suporte à Produção é que a gente descobre a importância de saber o que pode ser armazenado num item de dado ou não, e sob que condições. Geralmente isso pode ser encontrado nas especificações do programa ou no código do programa, o que não é exatamente fácil de se achar durante investigações para achar a razão dos problemas. Apesar de toda a documentação regulamentar acerca dos dados no nosso time, não é fácil consultar-se. O mesmo acontece com as relações entre os dados no banco de dados relacional. Precisamos saber se, quando modificamos um dado, quais são as implicações nos outros dados relacionados, e em que circunstâncias podemos modificar um dado ou não, sem ter sido através do sistema.

Pois bem, também construi tabelas de fácil acesso para os dois casos, e fui catalogando as regras de validação fora das especificações de cada programa, num lugar próprio dos dados, sob o ponto de vista dos dados, pois computação não passa de um jogo de dados... a isso eu chamo de Administração de Dados, mas isso não é o que este termo significa. Este termo significa criar bancos de dados, copiar, criar tabelas, destruí-las, administrar a perfórmance do banco de dados, mas gerência de conteúdo dos dados não faz extamente parte do menu deles. 

No Brasil trabalhei num banco que realmente tinha uma administração de dados sob o ponto de vista dos negócios. De lá pra cá nunca mais vi tal coisa, embora ela faça parte da teoria que se aprende nas universidades.

Dessa forma foi fácil construir modelos de procedimentos sem ferir a integridade das relações entre os dados que são muito sensíveis. A alternativa era um quadro impresso com 1 metro e meio de largura, por 1 metro de altura, mostrando todos os diagramas e ligações entre as chaves das tabelas através de quadrados e linhas. Tenta perseguir aquelas linhas sem se rasgar todo e cair no chão batendo e dizendo "eu odeio Dilma"...

Multiplique este diagrama 10 vezes e coloque na parede. Dá um
bom enfeite e faz a gente parecer inteligente...
PRFF

Em contrapartida ao RIA, vejam o que a empresa saltou como solução para um probleminha.

A PRFF é um formulário de revisão que é preenchido toda vez que um documento é revisado. Os erros detectados são escritos lá e, quando resolvidos, dados baixa. Posteriormente tal formulário serve para obter-se estatísticas de perfórmance, percentuais de erros e acertos que, teoricamente, denotam o grau de especialização dos funcionários. Tal formulário foi introduzido "globalmente" e tivemos que nos submeter à sua soberania.

Pois sabem o que aconteceu?

Os super-diretores cairam de pau no nosso diretor porque o formulário não estava dando os resultados esperados por eles e suas equipes de auditoria. 

E por quê?

Porque não é possível que vocês tenham esse nível tão baixo de erros durante as revisões. Vocês estão sonegando informações, são corruptos...

Silêncio profundo...

Mas meu senhor, isso tudo é verdade.

Mentira, seu percentual de erros deve ser muito maior, conta
essa história direito
Não senhor, vocês estão mentindo e escondendo o jogo. E foi um bafafá pra lá e pra cá até eles serem convencidos de que a gente realmente não errava... que nossas estatísticas de erros estavam muito abaixo da média mundial, e que não era mentira, era tudo verdade.

Uma das coisas que havia reduzido muito os erros de revisão foram os modelos com comandos para solucionar incidentes. Como os documentos gerados pelo modelo eram padrão e já haviam sido testados, então não precisavam ser revisados, mas apenas os dados adaptados à situação, o que tornava tudo muito fácil e preciso. Portanto, os documentos extras, fora dos modelos, eram os únicos a sofrerem revisões e conterem possíveis erros.

Acabaram se convencendo de que éramos os super-homens e nos colocaram num pedestal como uma das melhores equipes de Suporte à Produção jamais conseguidas pela empresa mundial.

O Time do Tigre

No ano passado me lançaram de paraquedas na liderança de um time de urgência a fim de reduzir o tremendo número de problemas pendentes no sistema que já estava dando na telha, até por minha própria culpa de ter descoberto e denunciado muitos problemas com sintomas diferentes e mesmas causas. Aquela fila de problemas não eram reais, era preciso dar um pau nela, e ninguém melhor do que eu para resolver o problema.

Então me deram subordinados insubordinados, ou seja, mal treinados, sem especialização, para eu treiná-los "on the go" ("no uso").

Fox Tiger (Raposa Tigre), de LouieLorry, DeviantArt
Sucesso, meus camaradas. Posso trabalhar até com o diabo que consigo fazer dele gente. Afinal, sou brasileiro, famoso por resolver qualquer parada, se você não sabia disso. Meus colaboradores me surpreenderam.

Em quatro meses reduzimos de 730 problemas para 72. Nem mesmo eu estava acreditando. Acabamos com todos os problemas de duas áreas, banco de dados e arquitetura, o resto eram problemas do aplicativo e só sobraram os piores, os mais difíceis de terem descobertas as causas. São com estes que estou trabalhando agora...

Portanto, se você não anda funcionando bem, eu dou um jeito em você... grawwr!

Continua...

Qualidade do Jeitinho Brasileiro V

Continuação...

Hoje houve desdobramentos enquanto eu terminava esta série de posts. 

Numa reunião de alto nível, nos foi repassado que, dos pontos tocados em como trabalhar com a maior perfeição, o Gerenciamento de Incidentes passou com nota quase 100. Segundo a responsável, ela recebeu congratulações das diretorias via email logo cedo.

Também nos foi repassado que uma das minhas iniciativas de controle de incidentes, a qual foi lembrada que eu havia apresentado e sugerido aos outros times utilizarem o mesmo esquema há três anos atrás porque estava funcionando às mil maravilhas, e havia sido ignorado, agora vai ser imposta para todos seguirem obrigatoriamente. Uiiii, essa doeu...

Um jovem novato, herdeiro do meu reino, treinado pela minha treinada, está a organizar reunião com os outros times a fim de re-apresentar a ferramenta pra eles, que agora vão ter que se submeter. O pessoal de arquitetura e banco de dados costuma ser avesso à documentação, são mais como "free-ranges" (galinhas criadas no terreiro).

Não sei nem como o autor da medida foi lembrado em público, deve ter sido um deslize, porque a cultura deles não é muito boa em reconhecer trabalho bem feito nas origens, só nos resultados, nos lucros, no dinheiro. 

Certa vez me deram um prêmio de fim de ano, mas ao invés de ressaltar exatamente estas tais medidas, o motivo foi o número record e impressionante de incidentes resolvidos por mim em um ano, baseado no que foi registrado. Tenho pena deles, porque a outra metade não havia sido registrada já que a resolução havia sido através de instrução, ou seja, aquilo era só a metade do que eu merecia e mesmo assim foi impressionante, e eu só havia conseguido aquilo justamente pela metodologia que implantei à revelia. Foram cerca de 340 incidents resolvidos naquele ano, mas nos 6 anos na área, o total sobe para mais de 3.000, e ainda sou o campeão de um belo campeonato.

Eles, por exemplo, são incapazes de reconhecerem que aquela gerência só está trabalhando assim, à beira dos 100% dos pontos de qualidade, por causa das minhas iniciativas e das minhas soluções implantadas por mim mesmo quando eu era o tal gerente, o qual treinou esta pessoa que tem assumido esta função nos últimos dois anos. 

A gerenta atual foi treinada para usar as minhas metodologias e ferramentas que hoje estão começando a fazer sucesso publicamente por causa do reconhecimento vindo de fora, de mais alto nível baseado nos resultados, mas poucos se lembram de parabenizar-me por ter pensado e executado as soluções. Afinal, para eles, dobrar-se à minha excelência brasileira, controvertida e contestadora, fora do padrão, para muitos é reconhecer que eles tem sido uns... assholes, dickheads (procurem no dicionário). Já ouvi indiretas do tipo "conseguiu mas por meios não ortodoxos" ou coisa parecida.

A Última Tentação de Cristo, filme de 1988, de Martin Scorsese com 
Willem Dafoe e Harvey Keitel
Quando você agrada os pobres e desafia os ricos, definitivamente você não tem IBOPE. A gente tem que dar uma de Jesus Cristo mesmo, morrer pelado na cruz.

Mas de todo jeito, fez bem ao meu ego vir a saber que tudo isso está acontecendo, e muito mais ainda está por vir, se bem que acho que não estarei mais lá no dia em que uma estrela cair do céu e eles resolverem reconhecer minha contribuição ao longo dos anos. Meu tipo de trabalho só dá resultados depois de anos consertando cada detalhe fora de lugar, imperceptivelmente.

Sim, estou meio "arretado" hoje porque foi um dia muito "busy", cheio de reuniões com decisões minhas a serem tomadas, convencimento aos incrédulos, e ainda tendo que lidar com as demandas, pois quando as pessoas começam a acreditar num projeto, elas vão longe e se mostram cheias de desejo.


Público cheio de desejo do Black Sabbath na praça da Apoteose,
no Rio de Janeiro. Foto Julio Cesar Guimarães/UOL
Não dá para contar tudo, eu nem me lembro, mesmo que tenha escrito um compêndio que um dia, quem sabe, poderá se tornar um livro.

O que mais me irritou hoje foi a briga de egos com o meu chefe. Já contei algumas coisas sobre o seu jeito, e hoje eu abri o verbo porque houve chance. Espero que isso já faça parte da nova maneira "direta e pessoal" de avaliar os recursos humanos, depois que a empresa acabou de abandonar o método de avaliação irritante que executava até então.

Enfim, ainda existem revoluções após outras a acontecerem antes do Armagedom, mas o que eu desejava até aqui, consegui. 

Gargalo não é galo cantando e gargalhando...
Só podíamos pensar no futuro assim, seriamente, positivamente, e com entusiasmo, se resolvêssemos nossos principais gargalos a fim de nos dar tempo livre para sonharmos acordados. Isso está acontecendo.

Só podemos nos divertir quando estamos de barriga cheia, caso contrário só pensamos em comida.

Isso é tudo o que deu pra lembrar, mas com certeza teve e terá mais...

Conclusão com Jeitinho

Estes são apenas alguns exemplos do que um brasileiro pode ser capaz de fazer no exterior, ganhando todo mundo com nossa "miscigenação", tolerância, e um jeitinho cativante.

O "jeitinho brasileiro" não tem nada de malandragem. Quem assim o proclama tem complexo de inferioridade e quer desprezar a cultura nacional. 

É intriga da oposição, vamos valorizar o que é nosso, aprimorá-lo e vendê-lo. 

Mas com decência como nesta música de Lucas Lucco, Homem É Tudo Igual:



Um retrato dos machos brasileiros jovens de hoje, mas o recado não é esse, o recado é outro quando Lucas diz, "homem é tudo igual até achar a mulher ideal", e mais quando diz "mas eu sou diferente, hein?". E prestem atenção no detalhe dos "erres" deste sujeito. Apesar das baixarias que ele tem lançado, das tatuagens exageradas e dos selfies, ainda dou crédito a este rapaz por causa destes pequenos detalhes que para mim denotam caráter.

The End

Qualidade do Jeitinho Brasileiro III

Continuação...

Avaliação: Fora do Normal, Muito Boa, Satisfatória, Razoável e
Insatisfatória
Múltipla Escolha

Nosso "jeitinho brasileiro" também introduziu partes nas pesquisas onde as pessoas podiam expressar suas opiniões ao invés de apenas selecionarem opções estanques de múltipla escolha. 

Tais opções em geral nunca cobrem o universo e muita gente se sentia obrigada a optar por uma coisa com a qual não concordava só porque sua opção não estava presente, resultando em falsos resultados e falsas decisões baseadas em falsas pesquisas. Pareciam até as pesquisas sobre a quantidade de ativistas protestando nas ruas brasileiras contra o governo ou sobre a aprovação do governo, feita com 300 pessoas das elites. 

Os quadros de textos com a opinião de cada um aumentaram muito mais o trabalho dos pesquisadores (que devem ter ficado com ódio de mim), mas só então os resultados começaram a retratar a realidade da empresa, e as decisões começaram a ser mais lógicas. Passou-se a enumerar-se os pontos mais frequentes escritos pelas pessoas, sumarizando-os, a fim de serem atacados em sequência e, de preferência, sanados.

É engraçado como todo mundo concorda com minhas opiniões mas parecem incapazes de verbalizá-las como eu. E nessa língua maldita...

Os Jovens
Jovens com muita bola e a boca no trombone como os 
protestadores das ruas brasileiras

Uma coisa ficou evidente: o que mais reclamaram foi de falta de treinamento. A empresa encoraja o auto-treinamento da pessoa lhe disponibilizando cursos online, mas os cursos são tantos que as pessoas se perdiam quando tentavam selecionar os mais acertados, além de perderem mais tempo procurando do que estudando. 

Era preciso lhes orientar. Então um grupo atacou este problema e passou um ano tentando construir uma tabela de cursos indicados. Não conseguiu. 

Foi quando chegou a minha vez de dar meu precioso pitaco, que foi o seguinte: minha gente, quem clama por treinamento são os jovens, os récem-contratados. Eles nunca estão satisfeitos com nada. Não adianta dar-lhes um mapa da mina porque nunca vai ser o bastante para eles, eternos insatisfeitos, loucos para ganhar promoções rapidamente, que se não vierem, eles mudam de empresa. Há problemas mais sérios que devem ser endereçados antes de se perder tanto tempo com estes fedelhos que andam ganhando a parada de botarem a boca no trombone.

Fui preso porque pensavam que eu estava dando uma de homofóbico... brincadeirinha.

Como Você Responderia a Esta Pergunta?

Lhe convidam para um banquete da empresa, mas para evitar problemas de saúde, lhe pedem para dizer se você tem alergia a alguma coisa, de modo a eles evitarem lhe expor a risco de vida e evitar-lhes sofrerem um processo milionário. Então eles fazem uma pesquisa ao mesmo tempo em que você atende ao convite assim.

Vocé é alérgico a:
  • Lactose
  • Peixe
  • Lagosta
  • Castanhas
  • Nenhuma das opções acima
Você é alérgico a amendoim, o que responderia? Qualquer resposta aqui seria falsa e lhe deixaria em risco de vida, mas sua opção tinha que ser "Nenhuma das acima". Uma pesquisa mais inteligente seria:
  • Outros, especifique
Um elefante alérgico gay incomoda muito mais. (Amendoim não,
sou alérgico!! Favor não me alimentar). Sou delicado e 

não só como você...
Você então escreveria "amendoim". Se eles não pensaram nisso, pensarão na próxima pesquisa e descobrirão que muita gente tem muitos outros tipos de alergia como jamais eles poderiam imaginar. Esta semana soube de alguém alérgica a maçã.

Na primeira pesquisa assim, as respostas seriam extraídas do computador imediatamente. No segundo caso, seria preciso examinar cada respondente pois eles podiam não usar as mesmas palavras para dizerem as mesmas coisas e a inteligência artificial dos computadores ainda não chegou a este ponto de sabedoria. 

Eles poderiam escrever mandioca, macaxeira, aipim ou inhame, cará, taro, ou mexerica, laranja-cravo, mandarina, vergamota, jeruk keprok, يوسفي, 橘子, significando a mesma coisa. Ou seja, os resultados não seriam imediatos e os funcionários teriam que analisar e gastar tempo para produzirem um diagnóstico mais preciso. Imagine que estas pesquisas são contratadas a outras empresas, e o dinheiro fácil que elas ganhavam até então, para darem resultados imprecisos. Agora têm que suar mais...

Excesso de Recursos Difíceis

Outra falha do elefante: contratava várias empresas para cada uma construir um sistema diferente e independente para folha de ponto, requisições de férias, contracheques, treinamento, etc, e nenhum era compatível com o outro, ou seja, nós, funcionários e seus usuários, atirávamos pedra pra todo lado de ódio cada vez que precisávamos utilizá-los e eles não funcionavam, entupindo o callcenter da empresa com reclamações para ouvidos moucos e passando os dias emburrados.

Os Insaciáveis

Tempos atrás a empresa lançou várias formas de informar os funcionários, gerando o que considero hoje um excesso de "spam" em nosso email empresarial. Chegou a um ponto em que meu chefe, por exemplo, só aperta o "delete" o tempo todo, e com isso perde muitos convites para eventos que voaram na orgia das deleções. Eu falei orgia de deleções, não orgia de delações... 

Mas me diga uma coisa, trocar vantagens por delações não é corrupção?

Mesmo assim, como resultados das pesquisas, os funcionários diziam continuar insatisfeitos com o nível de informação que recebiam. Ora, para mim, um profissional experiente, era excesso de informação. Mas sei que para os jovens, nunca nada é o bastante porque eles tem sede de crescimento, eles têm urgência de incrementarem seus currículos, de obterem promoções. Eu era assim também, mudava de emprego quando demoravam para me promoverem.

Excesso de informação que só os jovens conseguem lidar,
ao descartarem muita coisa séria sem sequer tomarem
conhecimento
Acontece que, ao perguntarem aos funcionários o que eles gostariam que a empresa fizesse para eles estarem satisfeitos, uma das coisas que sempre diziam era que tinham interesse em saberem os rumos da empresa, tendo acesso ao máximo de informação possível. 

A empresa os atendeu, mas segundo as pesquisas, eles continuavam insatisfeitos. A empresa já não sabia mais o que fazer. Foi quando eu disse que, exigir informação era coisa de jovem e haviam muitos jovens na empresa, mas atender às suas ânsias não os ia fazer ficarem satisfeitos. Era preciso entendê-los melhor.

Daí me prenderem por apresentar sintomas de jovemfobia... brincadeirinha.

Excesso de Informação

O resultado foi que as informações passaram a ter mais conteúdo sério e outras atitudes foram tomadas para antender às ânsias dos funcionários, entre elas um excesso de comemorações de dias como o da mulher, festividades e feriados multi-culturais e engajamento no movimento LGBT, além de promoção de vários eventos esportivos entre os funcionários, oferta de promoções e ingressos de eventos e shows com desconto, concursos de fotografia e invenções, competições e mais uma pá de abobrinhas, coisas triviais que me enchem o saco, mas com as quais os tais jovens ficam embevecidos nesta cultura que idolatra a trivialidade, tanto é que uma das instituições australianas é a tal noite de "trivia", uma espécie de bingo muito difundido principalmente entre os aposentados. 

Ora, seria muito melhor distribuir este dinheiro gasto com estas coisas supérfluas e gratificar os tais jovens e consequentemente os maduros também, mas até nessa seara eu entrei de sola e descobri que existe uma barreira bem clara que é intransponível, dito por um diretor, falando bem claro em nossa reunião do jeito que eu imprensei ele pra responder. Dinheiro não, outra coisa qualquer, menos isso. Tudo menos isso!!! Quer cartão, quer plaquinha? Diga, meu amor...

Bem, há de se convir que ainda temos emprego na Austrália, mas que todo dia levas de desempregados enchem as ruas ou aceitam trabalhos casuais, parciais e mal pagos, ou então se mudam para países como México (vindos dos Estados Unidos) e Índia (vindos da Austrália), Filipinas, Malásia ou Indonésia. A empresa é bilionária mas só o é por causa do arroxo salarial... global...

Só agora, finalmente, surgiram com a idéia de valorizar os mais experientes que não respondiam às tais pesquisas. Os jovens foram rebaixados de seus privilégios de serem contratados ganhando mais por períodos limitados, mas seus contratos pelo menos foram extendidos e seus períodos "no banco" (à espera de contratos, remuneradamente) reduzidos, na política de procurar manter a mão de obra especializada por mais tempo.

A empresa estava se tornando refém das demandas dos jovens que gritavam mais alto, achando que era todo mundo igual, assim como o mundo de hoje está virando refém de certas minorias...

Daí eu fui preso... brincadeirinha...

Testes

Dentro dos meus planos mais a curto prazo está a sofisticação dos testes. Testes sempre foram muito bem organizados na empresa, como eu nunca havia visto antes, porém não automatizados. Aliás, ao trabalhar na primeira empresa na Austrália, lá havia scripts de testes. O usuário testava e tudo era gravado. Quando surgia um problema, nós, técnicos, podíamos repassar todos os passos que o usuário havia feito e descobrir exatamente onde estava o erro, como num vídeo-tape. 

Exemplo de script de teste, faça isso, faça aquilo, nessa ordem
e você obtém aquilo outro. Senão, é erro.
Em alguns lugares os testes já estão bem sofisticados, mas nós não podemos nos sofisticar muito e temos que ir na rabeira da tecnologia por causa de uma série de restrições ligadas ao fato do sistema ser crítico.

O que temos são scripts escritos, passos para se usar o sistema e testar cada componente. Mas as pessoas nem sempre os escrevem muito bem, e isso dá gargalo, ou seja, gente que não consegue executar os scripts corretamente porque falta informação. É que quem escreveu sabia, mas supôs que quem ia executar também sabia. Ledo engano.

Isso atrasa os testes e também pode comprometer os resultados, se o testador desistir de seguir à risca e pular passos para terminar logo, ignorando possíveis erros.

Ao testar o sistema, os testadores tiram cópias das telas e colocam num documento anexo ao script que é assinado e computada as horas gastas. Cada erro é registrado, documentado, e reportado para solução imediata ou posteriormente.

São vários tipos de testes, dentre eles UT (Unit Test, teste do módulo), AT (Assembly Test ou String Test, teste de integração do módulo com as interfaces), RT (Regression Test, teste de regressão, ou seja, tudo o que o sistema fazia não deve ser afetado, não pode regredir depois das modificações) e PT (Partido dos Trabalhadores, digo, Product Test ou Integration Test, teste de integração ou produção final, aprovado pelos clientes), dentre outros mais específicos.

Meu "sonho" atual é ver os scripts escritos com perfeição e tendo as "screenshots" (imagens das telas) em meio aos passos e não em outro documento. Isso porque o Suporte à Produção precisa conhecer o sistema a fundo para ser capaz de reproduzir tudo o que o usuário faz, mas como isso é impossível, pelo menos através destes scripts com imagens ele facilmente descobre como realizar uma função do sistema e com isso reproduzir o erro. Manuais de usuários nunca são o bastante pois do jeito que eles não entendem nossa linguagem técnica, nós também não entendemos suas linguagens de negócios.

Software com bug de graça é uma zona.
Ops, tradução errada estilo mídia brasileira.
Tradução certa é: 
área de software livre
de bugs (erros)
É preciso as pessoas se interessarem por escreverem certo, em "baby language" (linguagem simples) para que qualquer leigo possa executar um script de teste. É preciso que elas utilizem certos padrões como escreverem as mensagens do computador exatamente como elas aparecem ao invés de apenas citarem que "aqui vai aparecer uma mensagem". É preciso padrões para escrever-se teste scripts também a fim de que qualquer um possa escrevê-los com qualidade, qualquer pessoa de qualquer nível de especialização. 

Do mesmo jeito os padrões devem ser seguidos por aqueles analistas de negócio que escrevem especificações de usuário onde a tendência é que escrevam como se estivessem escrevendo um livro. A linguagem não pode ser a mesma, tem que ser estruturada, e haver uma preocupação em ser conciso e prever todas as situações reversas. Por exemplo, quando se diz "faça isso", deve-se dizer também "porque senão".

Criando o Bicho Solto, Liberdade nos Testes

Mal comecei trabalhando na Austrália e já me falaram pra nunca usar a palavra "tests" porque significava "testículos"... tinha que ser no singular... É como tentar entender porque as mulheres se enfezam tanto quando são chamadas de "whores" (putas, prostitutas) mas gostam de ser chamadas de "bitches" (putas, cachorras) ao ponto de algumas escreverem nos vidros traseiros de seus carros "aqui vai uma bitch".

Tente me quebrar, laritas, nem te ligo
Não é que eu goste de criar o bicho solto mas briguei também para introduzir os testes livres na empresa. Hoje os usuários são encorajados a tentarem "quebrar" o sistema quando executam o Product Test pré-programado de aprovação das modificações numa atualização de software. Eles então agem como se estivessem na mesa deles e "fazem tudo errado" como eles sempre fazem mesmo. O sistema tem que admitir qualquer coisa errada que eles façam sem quebrar nem dar sinais de que aquele comportamento não foi previsto. Laritas, nem te ligo...

Quando comecei na empresa, comecei ajudando nos testes que seria a forma mais fácil de aprender o sistema. Mas os scripts eram tão mal feitos que eu errava tudo. Então decidi fazer testes por mim próprio, fora dos scripts, e isso se chama free-testing. Todos cairam na minha cabeça por eu ignorar os "procedimentos" pela primeira vez. Ora, retruquei, veja só como meus testes livres tem descoberto problemas, caso contrário eles jamais seriam descobertos por nós, mas com certeza seriam pelos usuários. Não senhor, isso não é nada benvindo, você está descobrindo coisas que não existem, fique na sua...

Quando eu era menino, aprendi este gesto de passar o dedo sob o
nariz como sendo sinal dizendo que o outro está mentindo,
é verdade?
O conselho deles entrou por uma perna de pinto e saiu por uma perna de pato, senhor rei mandou dizer que contasse quatro, dei um muxoxo e revirei os olhinhos, tsc, tsc...

Hoje, depois de vários anos de insistência, a empresa incorporou os testes livres com os usuários em todas as implementações de versões de software. Os testes livres encontram mais problemas do que os testes programados. 

"Jeitinho brasileiro" aqui de novo minha gente!

Veja só como eram os nossos argumentos: eu argumentava que quanto mais testamos o sistema livremente, tentando quebrá-lo, mais erros a gente conseguia para serem consertados. O argumento deles era: o usuário deve seguir o que é pra ser feito, se ele faz diferente, problema deles, o sistema não tem obrigação de estar preparado e vai dar erro. Meu argumento advogava que sistema não pode quebrar de jeito nenhum e tem que estar preparado para tudo, todas as besteiras e imbecilidades do usuário mais idiota possível. Isso eu trouxe do Brasil. Eles rebatiam que, se o usuário não sabe o que faz e não faz o que está escrito nas regras pra fazer, não pode reclamar de erros e o problema é dele.

Quem estava certo? O ovo ou a galinha? Dá pra sentir o tamanho das diferenças aqui no espaço cultural?

Desça do pedestal, meu anjo anglo, pra eu pegar
você e o ângulo, venha sambar e rebolar aqui na
 minha mundiça cultural...
Eu ganhei. Hoje nós tapamos os buracos e os usuários tem mais liberdade para errarem sem comprometerem os dados do sistema graças aos testes livres em que eles podem fazer o que quiserem sem receio. Me chama de lagartixa, me joga na parede, diz o sistema em êxtase...

Busca-se a perfeição para atingir-se o meio do caminho, é o meu lema, lembram-se?

O que eu trouxe do Brasil mesmo? 

A crença de que devemos fazer tudo o mais simples possível assim qualquer idiota faz o que tem que ser feito corretamente, pois afinal, o que não falta no Brasil é idiota (desculpem, é por falha de educação, pura e simplesmente endêmica). Aprendi isso no primeiro ano de trabalho, ou até na universidade mesmo, no Brasil. 

É o contrário daqui da Austrália em que se exige um absurdo de conhecimento que ninguém tem, porque todo mundo tem um rei na barriga. Derrubar eles do pedestal não foi fácil, mas ainda estou tentando.

É bem típico da personalidade anglo exigir o máximo de tudo, ser mais especialista do que o outro de modo que o outro nunca saberá tudo o que você sabe, e com isso você se sente o rei da cocada. Você é mais socialista quando pensa nos menos favorecidos...

Pavor de Rato

Outro detalhe: tem usuário que não usa o mouse, só usa as teclas. O sistema tem que estar preparado para isso, mas não está porque ninguém nunca pensou em testar todas as opções de teclado. De vez em quando este tipo de usuário descobre um besouro cabeludo (bug, erro) porque ninguém nunca pensou que um usuário podia trabalhar daquele jeito. Resultado, aumento nos testes da interface com o usuário, sempre tomada como perfeita e desnecessária de ser testada. Outra briga minha. Os usuários deviam me carregar nos ombros...

Defensores dos teclados contra os ratos
Minha luta tem sido por testar-se para sempre, todos os dias, eternamente. Na época de hoje, com toda esta complexidade, só se pode garantir um produto de qualidade se não se pára de testar nem um minuto. Vai dormir e sonha testando...

Todo dia um componente é atualizado em toda a rede, só se pode garantir integridade se pegar-se os erros logo, imediatamente. Foi assim que uma versão de banco de dados modificou um comando muito utilizado e discretamente aperfeiçoou ele, gerando erros esporádicos e inesperados no sistema que ninguém sabia onde estava. Aquela função não estava sendo testada fazia tempo pois nada havia mudado nela por anos a fio. Não nela, mas no software de base de gerenciamento de banco de dados. Por essa ninguém esperava. Na linha do "under-the-hood" um colega descobriu antes do usuário reclamar assim que a nova versão do software foi implementada. A isso se chama "proactive problem" (problema pró-ativo, detectado antes de causar danos, uma raridade).

Então agora todos testam, todos propagam os besouros e aranhas cabeludas que encontraram (os bugs) e os consertos são auto-fundeados pela empresa, quase imperceptivelmente, se não fosse pelo "paperwork" (documentação e aprovação do cliente). Um jeitinho brasileiro oficializado. Mas eu não patenteei...

Tablete que não é para mascar
Tabletes

Outro sonho já está sendo realizado em outra parte do mundo. Trata-se de entrada e operação dos dados via tablets. O funcionário já vai andando, observando as situações e vai dando entrada no que vê. O computador então avalia o que ele está vendo e diagnostica o que é preciso fazer, mostrando onde é que precisa-se fazer alguma coisa no produto. Digamos que o produto é um mega-iate sofrendo manutenção num estaleiro, ele mostra exatamente onde o engenheiro deve fazer manutenção do motor a energia nuclear graficamente. É o Facebook do engenheiro.

Numa discussão em reunião concluiu-se que não pode ser utilizado no sistema pois você não consegue digitar muita coisa num tablete sem cansar e atirá-lo longe, então sugeri os teclados e telas projetados. Ora, ninguém tinha pensado nisso ainda... suspense.

O grande problema do "touch-screen" (toque na tela) é que perdemos
o senso do tato. Não consigo mudar de função no centro digital do
 carro que não seja controlado na direção quando estou dirigindo
porque, com o balanço, o dedo escorrega e toca em outra função,
me irritando. Se fosse através de pitocos, eu "sentiria" ele e não o
deixaria escapar... saudades de um passado mais eficiente quando

se respeitava os nossos sentidos...
Existem muitos outros sonhos sendo alimentados e brevemente espero que consigamos muitos deles. Um deles era tornar totalmente independente o ambiente de desenvolvimento e isso já está sendo testado. Assim este ambiente pode até ser enviado para outro país. O tiro pode sair pela culatra se me transferirem para a Índia...

Um outro recurso sendo testado é trabalhar-se em casa, à distância. Por vários fatores isso ainda não tem sido possível mas o projeto já está muito avançado. Isso evitaria que várias pessoas viajassem todo fim de semana para chegar no escritório, gente que mora em outras cidades e pega avião pago pela empresa.

Continua...

Qualidade do Jeitinho Brasileiro I

O "jeitinho brasileiro" pode ser aplicado no trabalho em um país como Austrália.

Dividi esta série em 5 textos pra ficar mais palatável aprender um pouco sobre a nossa profissão sob um ponto de vista completamente diferente do acadêmico.

Hoje, depois de ter convivido muitos anos com os australianos, e trabalhando numa empresa basicamente multi-cultural e globalizada, meu "jeitinho brasileiro" é muito respeitado. 

Grupos de Qualidade

Fazemos parte de grupos de qualidade e voltados ao bem estar dos funcionários já a alguns anos. Ouvimos coisas como minha opinião ser importante porque ela é diferente, sob outro ângulo, um ângulo que o australiano comum dificilmente pensaria. Quando aparece a oportunidade eu dou a visão dos imigrantes, muitos deles com pensamentos parecidos com os dos brasileiros, a fim de alertar as diretorias para tomarem decisões mais adequadas.

Multi-culturalismo significa gente de vários países convivendo no 
mesmo escritório, cidade ou país, porém no Brasil, sendo também
multi-cultural, nós, brasileiros, tendemos a ver todo mundo como
igual, sem diferenças raciais. A única coisa que vemos é diferença
financeira, o que não é bom, mas é menos mal.
Meu "jeitinho brasileiro" já foi capaz de mudar a empresa, o estilo de gerenciamento, e os procedimentos geralmente estanques, mas não sem ter tido ácidas discussões com chefes, arriscando minha permanência por me atrever a confrontá-los. 

Multi-Culturalismo

Com o tempo me foi sendo dado espaço para expor minhas ideias, e hoje elas são fundamentais, valorizadas e consideradas nas mudanças culturais da empresaO que antes pareciam resmungos de um chicano audacioso, transformou-se num porta-voz das outras culturas. Lembre-se, 40% dos australianos são descendentes de estrangeiros não anglos, e geralmente eles votam mas não tem voz e aceitam tudo, pois afinal não são eles que fazem as leis.

A primeira impressão que um estrangeiro tem do brasileiro é, quem é esse metido a besta, o que ele pode nos ensinar vindo de um país campeão em corrupção e dos mais violentos do mundo? Até antes dos últimos governos do Brasil eles não sabiam o quanto avançado era nosso país, que possuia a terceira fábrica de jatos comerciais do mundo e onde vivia o povo mais feliz do planeta cuja presidenta era uma das mais poderosas mulheres do planeta.

Brasileiro é tão burro que gosta de dar tiro no pé criticando as 
atitudes de seus conterrâneos ao invés de valorizá-las
Por causa dos recentes protestos no Brasil, hoje tenho que explicar a razão para pessoas atônitas sobre o que está acontecendo. 

Minha tática é a seguinte: acesso uma notícia em Inglês, boto na tela do meu computador no trabalho, me viro pro chefe anglo e digo, veja só o que anda acontecendo no Brasil. Os investidores continuam achando que é um dos melhores países do mundo em termos de mercado, mas os brasileiros querem o impeachment da presidenta. Você vê alguma lógica nisso? Não é preciso nem dizer que é o poder da mídia dos milionários que quer sua queda porque ela tem ajudado aos pobres, uma vez que ele já sabe e já me disse antes de eu falar. 

Um dia destes estampei uma foto deslumbrante de uma cidade costeira brasileira onde eu havia circulado o escritório da nossa empresa em vermelho, projetei na sala de conferências no início de uma reunião, e passei a divulgar os dados que tinha obtido no dia anterior enviados por uma sobrinha estudando no exterior. A empresa havia crescido perto de 100% no ano passado. Não existe outro país do mundo que permita tal crescimento. A poucos anos atrás, a empresa havia divulgado num evento comunitário que um dos mercados mais atraentes para ela investir era o Brasil e que com certeza iria ser considerado.

Quantos brasileiros vocês acham que tem coragem e vontade de fazerem o que eu faço?

Isso é o que é mais intrigante, a má fama do brasileiro é espalhada por ele mesmo numa mistura de masoquismo e complexo de coitadinho. 

É Suporte à Produção: mas nem "produz" nem "suporta"
Suporte à Produção Campeão

A principal mudança no trabalho depois que fiz valer o "jeitinho brasileiro", a meu ver, deu-se a cerca de um mês atrás. 

Pela primeira vez em toda a minha carreira profissional ouço uma empresa dar valor ao Suporte à Produção.

Geralmente o valor é dado ao Desenvolvimento e Engenharia de novos projetos em informática, o grande letreiro luminoso e resplandecente da porta da frente, e Suporte à Produção tem sido sempre o patinho feio da organização, a porta dos fundos, que faz a faxina e esconde a sujeira embaixo do tapete.

Geralmente o conceito de quem trabalha nesta área tem sido o de que são profissionais estacionados, idosos e intransigentes que odeiam mudanças, os famosos dinossauros, profissionais que causam mais problemas do que resolvem, cheios de vícios, manias e "jeitinhos brasileiros". 

A verdade é que se trata dos experts, técnicos mais experientes, mais estáveis, mais confiáveis, com maior sabedoria sobre o sistema e ambiente, e com as ferramentas e o conhecimento para consertar as coisas com cuidado e muito jeitinho, os mais invejados. Para mim esta novidade não me impressionou tanto quanto deveria porque a empresa já deveria ter feito isso faz tempo, e todas as outras empresas do mundo também, valorizar o conhecimento e experiência de seus funcionários mais antigos e mais interessados e procurar mantê-los. 

SDLC -- System Design Life Cycle (Ciclo de Vida de Desenho de
Sistemas) e o Q de Qualidade. Planejamento, Definição dos
Requerimentos, Desenho, Desenvolvimento, Teste, Implementação,
Operação e Manutenção. No fim da vida, a Dispensa no rabinho 

do "Q". Quanto melhor a manutenção tanto melhor a qualidade e
mais longe a Dispensa do sistema. Isso significa muita economia e 
excelente reputação às vistas de quem paga por isso, os clientes.
Durante 10 anos temos construído um novo universo em termos de Suporte à Produção, área em que pela primeira vez comecei a trabalhar seriamente nesta empresa como Gerente de Problemas e Gerente de Incidentes, alternadamente. Para mim trata-se do fechamento do ciclo de vida da construção de sistemas, algo que faltava na minha vida profissional.

Tendo trabalhado por algumas décadas em projetos e desenvolvimento, criando e construindo sistemas, pouco havia sido exposto à manutenção dos sistemas depois de implementados. Soltava a fera e o povo que se protegesse. 


Comunicação

Ao trabalhar com isso agora, descobri e aprendi várias coisas e, ao longo dos anos, venho "sanando" todos os problemas de comunicação entre estas duas áreas, e entendido de perto o que irrita os usuários depois das implementações e o que dificulta o trabalho de suporte aos clientes com intenção de vê-los realmente felizes e satisfeitos ao invés de apenas tolerantes e condescendentes. 

Que fique bem claro que, quando falo "eu", não sou eu mas toda uma equipe de profissionais qualificados e especialistas. "Eu" sou apenas um pouco de inspiração, quando necessário, e talvez uma boa fonte de dicas e um bom modelo funcional para se copiar (assim como bom modelo masculino de pai). Sim, já me falaram isso...

Agora mesmo meu filho me mostrou um vídeo game que comprou com 11 anos, uma relíquia, e disse, olha aqui, para maiores de 15 anos, e eu, vixe, que pai que você tem, e ele, justamente, eu adoro o pai que tenho, e eu, ainda bem que você não se tornou criminoso ou drogado por isso, e ele, justamente por isso, pela liberdade e confiança que você me deu...

Então, no trabalho o resultado foi uma equipe que é uma máquina lubrificada e ágil que hoje é um exemplo na empresa e desfruta de ser responsável por alta qualidade, cujo esquema de trabalho abriu portas para outros contratos com o mesmo cliente, por causa de sua excelente reputação neste setor crucial da sociedade. Hoje os mais recalcitrantes usuários que são contra modificações radicais, depois das nossas apresentações e roadshows, declaram estarem dispostos ao "give it a go" australiano (dar uma chance, pagar pra ver) enquanto as diretorias não se cansam de propagar nossa excelência e nos elogiar. 

É muito bom você viajar e começar uma reunião com usuários do país inteiro, sabendo logo que tem gente alí que praticamente lhe odeia, está fulo da vida com o que imagina ser uma imposição irracional, que vai lhe amarrar, atrasar seu trabalho, que vai lhe encher o saco, e depois da apresentação ele mudar de cara e na saída dizer que vai tentar e testar o sistema. É muito bom você ver sua apresentação ser tomada de assalto e viajar o país, convencendo meio-mundo de que as terríveis complicações aparentes, na realidade, são bonitas e úteis. E depois de dois anos você ver o projeto duplicar de tamanho por causa da aceitação geral. É muito bom você ouvir que gerenciou um grupo capaz de implantar a "ultimate" modificação no sistema (a mais suprema) desde sua criação, é muito bom fazer parte desta equipe e ligar-se nela pelas redes sociais.

As surpresas decorrentes foram surpreendentes. Este ano o Suporte à Produção foi alçado ao mesmo patamar do Desenvovimento e Engenharia de Sistemas, e dentre os elogios que andamos recebendo, está o de que temos muito o que nos orgulharmos de termos sido capazes de atendermos ao cliente em altíssimo nível, reconhecido e propagado por ele próprio aos quatro ventos, gerando recompensas inesperadas. Esta semana mesmo soubemos que andamos gerando lucros acima dos imaginados, uma boa notícia para quem recebe bônus anuais conforme a performance.

Pela primeira vez ouço uma empresa dar valor ao Suporte à Produção ao ponto de mudar sua estrutura interna e criar um novo plano de carreira para os envolvidos. Pela primeira vez vejo a possibilidade daqueles que trabalham para manter a reputação da empresa realmente estarem sendo reconhecidos, e isso vindo de uma empresa deste porte, é de se admirar. 

Esta mesma empresa pulou do status de elefante branco para uma nova empresa com fóco na agilidade e alta tecnologia durante os últimos anos. Ela vivia sentada nos louros de ser uma das maiores do mundo, entre as primeiras em seu setor e bajulando os grandes clientes. Se antes ela, na pessoa de seus diretores, irritantemente só falava em crescer (growth) nos eventos comunitários, hoje ela se preocupa mais em manter a reputação própria e dos clientes, uma grande, inesperada e inteligente guinada, pois percebeu que cresce mais desse jeito.

E, pasmem, anos atrás um diretor foi capaz de dizer num dos eventos comunitários que a empresa só focava em grandes contratos, e que os pequenos contratos eram insignificantes e tendiam a desaparecer. Aquilo me deixou muito indignado e, sim, pasmem, o nosso é um pequeno contrato que, em cerca de alguns anos pulou de um nadinha desprezível para o pilar de vários outros grandes contratos devido simplesmente à sua excelência. Quem diria! Uma coisa é você trabalhar para o sucesso, outra é você obter sucesso porque trabalhou bem sem visá-lo, é muito mais estimulante.

Call center, os odiados e judiados. Pode ter certeza, nenhum é bonito
assim.
Call Centers

Quando se fala em Suporte à Produção, só se pensa em call center. Mas na realidade, por trás daqueles telefonistas com tendência a serem odiados, existe um forte esquema de profissionais imbuídos em consertarem os problemas que são reclamados pelos usuários aborrecidos dos sistemas. 

No nosso caso não operamos os call centers, apenas resolvemos os problemas mais sérios, mas damos feedback e facilitamos a vida deles. Foram muitas medidas tomadas a fim de resolver vários gargalos que só faziam o número de problemas não resolvidos crescer indefinidamente, a lista de incidentes permanecer sempre aumentando, tudo se tornando mais e mais complexo, caótico e cada dia mais necessidade de contratar-se mais gente, aumentando os custos e prejudicando a credibilidade quando cada dia o usuário reclamava mais. 

Bom Dia

Começamos mudando a cultura da empresa com uma simples atitude bem brasileira: dar "bom dia". Logo no início notei que os australianos em geral não gostam de nada que o brasileiro gosta em termos de afetividade. O que eles gostam é de tiradas sardônicas e picardias, algo assim como ver alguém ganhar um beijo, ficar louco de inveja, e dizer que beijo é anti-higiênico. Eles têm lá suas razões que eu posso falar um pouco, brevemente, aqui.

Bom dia, em australiano... não propriamente, só nos pubs (bares).
Mate não é chá mate, é "companheiro", mas pra "bro".
E eles não dão "bom dia". 

Comecei dando "bom dia" sem esperar resposta. Depois de um tempo algumas pessoas assimilaram meu exemplo, e hoje as pessoas chaves à minha volta todas dão "bom dia" e dizem "tchau", "até amanhã" ou "bom fim de semana" até mesmo sem sentirem. Trabalhei 5 anos numa empresa australiana também bastante multi-cultural e notei que as pessoas já eram daquele jeito. Nesta empresa resolvi tentar mudar esta cultura horrorosa. Pelo menos nos "bom dia" nós conseguimos.

O australiano não gosta nem de apertar a mão das pessoas. Descobri que é porque muita gente vai ao toalete e não lava as mãos então seria a mesma coisa que nós pegarmos no... do outro. Melhor não, não é mesmo? Não senhor: melhor é lavar as mãos e com sabão. É tão fácil com tudo automático hoje em dia, só se toca na água... e na maçaneta.

Australiano não aperta a mão no toalete... porque está com o
celular...
O australiano não gosta de dar abraços. Essa é uma longa história que passa pelos abusos sexuais que muitos sofrem em casa por causa das famílias destroçadas, mães que introduzem padastros que se introduzem em outras paragens... o australiano acabou sociopata, não quer nada com ninguém, não me toquem, não cheguem nem perto, respeitem meu espaço vital (de meio metro de distância em todas as circunstâncias) e me deixem em paz com meus esqueletos no armário, como disse minha nora. No ônibus lotado? O motorista não deixa você entrar se ele acha que o ônibus já está cheio, mesmo que você veja que caberiam mais 20...

O australiano não gosta de conversar coisas da família, coisas íntimas, as amizades são superficiais, e como algumas pessoas me explicaram pela enésima vez numa reunião no trabalho, para eles o caminho das relações sociais é bifurcado, quando o candidato a amigo vai se endereçando à intimidade familiar, eles o mandam por um desvio que nunca retorna. Faz parte da cultura. Ou então é preciso você levar muitos anos para conseguir algo parecido com uma amizade estilo brasileira. Quem esperar tanto, ou vai morrer antes ou cada um já tomou seu rumo oposto àquelas alturas.

Príncipe Harry e Fernanda Mota, dois beijinhos, em casa de
perereca, de cócoras com ela
Nos encontros sociais, quando chegam, eles mal acenam para algumas pessoas das dezenas sentadas ou em pé, e saem de fininho pra não terem que falar com ninguém. Tudo muito prático, mas o problema não é a praticidade, é a paranóia mesmo. 

E eu, como é que fico com a minha mania de "tocar" nas pessoas? Bem, existem umas excessões. Jogadores de Rugby estão acostumados com o toque físico e asiáticos vêm de países tão super-lotados que nem sentem que estão ralando na gente... mas tive que me acostumar a conter meus ímpetos de apertar aqui, beijar alí, afagar acolá... nem o tapinha nas costas é permitido. Isso foi trocado pelo Hi-5!

High-5 exagerado, diz-se que na falta de um cumprimento, apela-se
para isso e ponto final, serve pra tudo.
O oposto do brasileiro que faz questão de apertar a mão de todos os machos e dar dois beijinhos em todas as fêmeas, crianças incluídas em pelo menos um afago na cabecinha, que no Brasil pode, e na hora da saída faz todo o ritual de novo. A vantagem é beijar todas as mulheres, e a desvantagem é beijar os trens virados também. O brasileiro leva meia hora pra ir embora, o australiano leva 2 segundos. No fim você tem que apertar a mão de todo mundo e até de quem você não gosta pois caso se recuse, fica muito feio e todos pensam que você não é sério. Australiano acabou com todas estas preocupações e arrumou outras... eles se matam por um afago, literalmente.

Os australianos têm fama de serem pontuais, mas não é porque são melhores do que ninguém, é porque fazê-los esperar é considerado uma ofensa, um insulto, pois obriga eles a inventarem conversa fiada enquanto esperam, que fatalmente descambaria para as intimidades que eles odeiam partilhar. Será que eles realmente merecem tanto respeito? Imagine a fama dos brasileiros no exterior. É justamente nas esperas dos atrasados que o brasileiro se socializa.

Eles nem sequer ficam na porta esperando as visitas se instalarem no carro e arrancarem como os brasileiros estão acostumados por uma questão de estima, e isso sim é respeito. Eles fecham a porta na hora em que a visita põe o segundo pé no capacho, e nem passa pela cabeça deles que elas pensam que eles estavam doidos para vê-las pelas costas. Nossa mãe! Se alegarem que é o frio, não dá pra matar, mas eles têm sempre suas desculpas esfarrapadas, pois eu já perguntei, sim senhor. 

Dalí em diante, a quem eu perguntei passou a demorar-se no terraço até nós darmos adeuzinho do carro. Uma amiga nossa agora pede desculpas quando está muito frio e ventando e fecha a porta com cuidado, com a nossa anuência.

Certo dia meu chefe falou que, se ele tivesse a intimidade que eu tinha com um subordinado francês, ele não teria autoridade para chamar-lhe a atenção. Ora, respondi, não é a amizade que vai me impedir de fazer meu trabalho direito, eu tenho autoridade do mesmo jeito, assim como tenho com meus filhos enquanto sou o maior amigo deles. 

Ternos. Dois advogados, um diploma.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas para eles é uma desculpa para se manterem longe de estranhos porque simplesmente eles não sabem lidar com uma conversa direta e franca, eles têm medo de enfrentar e confrontar, por isso preferem se esconder na distância e na superficialidade. O brasileiro não tem papas na língua (e aparentemente o norte-americano também não, pelo que mostra a série "Suits")...

Quem pensa que minha amizade e simpatia é passaporte para acobertar suas atitudes erradas, que tire seu cavalinho da chuva. Muitas pessoas já pensaram, assim como algumas mulheres na minha vida pensaram que minha cortesia significava fazendo a côrte. Não era, tratava-se apenas de respeito. Mulher não pode levar fora que espalha que o cara é gay.

Não se pode consertar tanta coisa errada na intimidade desse povo, portanto a única coisa ao meu alcance foi dar "bom dia". Porém, o "bom dia" abre portas para a empatia e uma série de outras mudanças.

Sem Fila

No trabalho, hoje estamos no caminho de volta, reduzimos tanto os incidentes de produção que tem dia em que não temos nada para fazer. 

Já cheguei até a ouvir que, se um dia conseguíssemos isso como eu prometia, perderíamos o emprego, ha, ha. Pois bem, conseguimos, e não perdemos o emprego. 

Ao contrário, fomos protagonistas de muito mais empregos novos para outras pessoas através do sucesso da empresa e dos novos contratos obtidos com base em sua excelente reputação.

O tempo livre tem sido empregado em novas soluções e aprimoramento das técnicas de excelência.

Não vou esperar que ninguém se lembre do que me disse no passado, principalmente porque a diretora que me disse já não está mais conosco... 

Afinando-se os instrumentos
Mudança de Cultura

Através das nossas campanhas anuais, as direções, gerências e chefias vieram se afinando, afinando seus instrumentos e aceitando nossos conselhos e denúncias, nossa luta para sanar os buracos de comunicação cuja tendência eram criar monstros e transformar sistemas importantes em sucata a fim de serem substituídos no prazo de uma década.

Tudo feito com muita sutileza "cristã". 

Alguns colegas sentiam a mesma ânsia e cada ideia lançada foi tomando forma real através do entendimento, das interpretações e execuções deles, da empatia.

Eu já havia assistido muito isso no Brasil de décadas atrás, sistemas se sucateando. Hoje este fantasma desapareceu nesta empresa, e estamos todos tão estáveis e bem sucedidos que os resultados têm sido evidentes. Exatamente como eu previa... aliás, os resultados estão excedendo, não esperava tanto...

Mas não espero reconhecimento da autoria de muitas das ideias. O Espírita doa com uma mão de modo que a outra não veja... 

Doar com uma mão sem que a outra veja
O "jeitinho" deste brasileiro foi capaz de identificar e sugerir modificações radicais a fim de obtermos este atual status de perfeição. Isso sim é qualidade. 

Tempos atrás não havia sequer o enfoque de oferecer-se qualidade ao cliente, e os títulos ISO para mim pareciam ter sido comprados com propinas. A qualidade que eles consideravam era dos procedimentos internos da empresa, uma visão egocêntrica. Hoje a qualidade se extende até cada um dos membros das equipes, responsáveis por suas contribuições.

Bem, não é tão perfeito assim, lógico. Trata-se apenas de uma orientação que ajuda. Nada é perfeito nesse mundo... mas é como sempre digo, meu lema é, objetivemos a perfeição pois assim chegaremos à metade do caminho.

Excelência para o Cliente

Fomos nós que introduzimos o conceito de oferecer-se algo mais aos clientes, que eles não esperam, não precisam, e acham que não vale à pena pagar para consertar se vierem a saber. Uma coisa é você aprender isso na escola, outra coisa é você realmente utilizar o conhecimento na prática. Para uma empresa deste tipo, norte-americana, que só pensa em dinheiro, tomar atitude de arcar com gastos por si própria só com a intenção de oferecer excelência ao cliente e obter prestígio, é história da Carochinha. 

Verdade, mais uma vez, que a implementação desta ideia não foi minha como também a maioria das outras. Eu apenas dou as ideias, as pessoas implementam. Nesse caso, ponto pros meus companheiros gerentes e diretores que conseguiram vender minha ideia para a cúpula fundear. A coleção de defeitos que fui catalogando hoje estão sendo sanados a cada 3 meses.

Cada produto com seu código de computador na galeria do escritório
Galeria de Fotos

Uma das medidas para valorizar os profissionais se relacionou com as fotos dos produtos para os quais trabalhamos. Ninguém sabia para que servia nosso sistema ou que tipo de produtos nós tomávamos conta, pois só visualizávamos seus códigos e as descrições eram muito técnicas. Era praticamente impossível viajar para as sedes dos clientes a fim de conhecer os produtos pessoalmente e assistir às pessoas trabalhando. 

Então surgimos com a ideia de que poderíamos colocar fotos dos produtos nas paredes com seus códigos. Meu chefe então as providenciou da internet, imprimiu, colocou em molduras e pendurou em cada coluna do escritório. Agora todo mundo sabe para o que está trabalhando e se sente muito mais gratificado, engajado e orgulhoso, e tem até os fãs que vão nas feiras só para fotografar as novidades e divulgá-las na área social. Mais uma medida muito simples e respeitosa capaz de ajudar a mudar uma cultura para melhor.

A gente sabe o quanto acertou quando de repente, no quadro de avisos da copa, surge uma painel com as silhuetas de uns 30 produtos e um saquinho ao lado pra cada "jogador" colocar o nome certo no produto certo. Os nomes são magnéticos e grudam embaixo de cada produto. Muito bem bolado e espirituoso, meu colega que criou isso está de parabéns. Mas, no momento, poucos conseguem ir até o fim do jogo...

Tira-Teima

Por manter meus apontamentos com precisão sobre os incidentes que ocorriam e organizando o histórico do Suporte à Produção em todos os tempos, criamos uma planilha própria que acabou por tornar-se um poço de sabedoria, uma "Base de Conhecimento" (Knowledge Base) e a publicamos para qualquer um poder acessar, como é de praxe com minhas soluções que eu podia manter só para mim no meu caderninho sobre minha mesinha como todo mundo faz... se eu não fosse Espírita, e o Espírita reparte, doa, faz caridade! 

O guia tira-teima
Quando aparecia um incidente estapafúrdio, lá estavam as medidas tomadas anos atrás quando ele já havia ocorrido mas ninguém mais se lembrava e os funcionários da época já haviam ido embora fazia tempo. Pesquisava-se por palavras chaves e pimba, o pote do tesouro no fim do arco-íris! 

Como havia incidentes que não precisavam de correção nos dados mas apenas de explicações para os usuários agirem corretamente, acabamos por criar um compêndio com tais soluções que entregamos ao call center a partir dos dados compilados naquela planilha. Dalí aqueles tipos de problemas não passavam mais para nós porque eram resolvidos pelo próprio call center lendo no compêndio. Ele se chamou Guia Tira-Teima (Troubleshooting Guide) e seu conteúdo se constituia de "workarounds" ("jeitinhos para contornar o problema"). O conceito é acadêmico, mas a implementação foi orgânica. No conjunto com outras soluções a seguir, o quadro dos apaga-fogo se reduziu de 8 para 2 pessoas hoje em dia em 6 anos.

A planilha também passou a servir de guia para a criação de modelos de soluções repetitivas e consequentes procedimentos, quando tais medidas eram extensas. Muitos coelhos com uma só cajadada, às vezes eu mesmo me espanto... e o que são procedimentos? Lista de passos para realizar uma atividade, partes da Bíblia dos negócios.

Neste momento minhas planilhas estão se transformando num sistema sob minha coordenação, o qual irá fazer parte do arsenal internacional da empresa, a qual não dispõe de nada sequer parecido em termos de controle de Suporte à Produção. 

Olha Eu Aqui

Também foi nossa a ideia de criar uma bandeira que ficasse hasteada na mesa de quem estava responsável pela gerência da fila de problemas pra resolver, porque tal gerência é mutante, uma vez que ela se estende além do horário comercial, e outras pessoas assumem na ausência do Controlador de Serviços (Service Controller). Sugeri uma daquelas bandeirolas hasteadas em bicicletas de crianças para avisar a todo mundo que ali vai uma delas pelas calçadas da vida pois dava pra se ver acima das divisórias do enorme escritório. 

Mas como a secretária não conseguiu descobrir onde comprar o mastro de alabastro com a bandeirinha, o chefe macho alfa faz-tudo resolveu construí-la em sua garagem, usando madeira e lata. Agora nós temos uma bandeira para cada um dos três casos, quem está controlando a fila de incidentes, quem está ocupado com uma prioridade máxima (1) e quem está ocupado com uma prioridade 2, ambas tendo que se resolver no mesmo dia, pois afinal o sistema é "mission critical" (de missão crítica), ou seja, não pode parar de jeito nenhum. Antes desta implementação as pessoas ficavam como baratas tontas, quem está resolvendo o quê? Preciso devolver uma solução urgente, quem está responsável pela fila de problemas para devolver? Quem está precisando de ajuda? Tudo é eletrônico mas muitas vezes a pessoa tem que ser avisada para agir com urgência. Com a bandeirinha lá, pimba.

Se era ridículo ou não, a ideia acabou sendo implementada e quem achou que ficaria "embaraçado" como porta-bandeira teve que mudar de ideia e dançar conforme a música. Nós damos a ideia mas não temos muita noção do que embaraça esse povo, então é deixar que eles próprios as critiquem e as implementem, se forem homens mesmo...

Encontre o besouro e denuncie
Por Baixo dos Panos

Surgimos com outra ideia de que cada um de nós poderia descobrir defeitos de qualidade, documentar, e guardar em um lugar bem fácil e acessível, de qualquer jeito que a pessoa quisesse escrever, assim como riscar num ticket e colar no quadro de avisos da mesa. Outras pessoas então surgiram com o conceito de "under-the-hood" (embaixo do capô - tem preciosidades que ninguém sabe como um baita motor V8), e este é o nome do arquivo de fácil acesso e rapidez.

Desta forma, não fomos nós que inventamos o "under-the-hood". Este conceito já tinha sido levantado muitos anos atrás, mas sua aplicação à nossa ideia foi nova. Funcionou. As pessoas estavam atentas, só não tinham um canal para chamar a atenção para os pequenos defeitos. E algumas se esmeram beirando a perfeição, o que facilita e agiliza muito as investigações, diagnósticos e soluções. É só você incentivar, que muita gente se empolga e agradece. O que está acontecendo hoje são funcionários tão entusiastas que documentam tudo o que é necessário para apresentar oficialmente um diagnóstico resultado de investigação mostrando a raiz do problema, reduzindo em muito o esforço da próxima pessoa a investigar a fundo e produzir o documento "deliverable" (de entrega).

Aí deu a gota serena: danaram-se a descobrir coisas entupindo minha fila de problemas a resolver... nem tudo é perfeito, é como dar dinheiro para pobre que vira classe média e morde a nossa mão querendo mais. Meu consolo é que, quando esta chuva passar, seremos ainda mais elogiados, talvez como deuses...

Reconheça Seu Colega

Também foi nossa a ideia de criar uma forma de modo que qualquer um podia agradecer e parabenizar qualquer outro, porque os funcionários estavam reclamando que não recebiam feedback e nem eram elogiados nem reconhecidos pelos seus chefes. A ideia foi muito bem aceita, mas acabei me arrependendo. 
Reconheça um funcionário e ponha na urna

Pra variar, tem gente que elogia muito certas figuras, enquanto que os mesmos de sempre jamais elogiam, o que continua deixando gente fula da vida. Não é que os elogiados não mereçam, não é isso...

Os elogios são colocados numa caixa ou urna. Os elogios então são lidos nas reuniões gerais a cada 15 dias quando é sorteado um elogio da caixa e a pessoa ganha pontos de performance que resulta em presentes ou gift cards (cartões com créditos para compras), além do elogio tornar-se público. 

Como tem espírito de porco em todo lugar, algumas pessoas acabaram desvirtuando e colocando mais de um elogiado por papel, ou seja, quando o papel era retirado, várias pessoas ganhavam. Proibiram. Enfim, fico imaginando o trabalho que Deus teve para inventar esse mundo com todas estas variações de corrupção dos espertos pilantrinhas.

Da última vez da extração da mini loteria, como havia dois funcionários com o primeiro nome e um deles foi sorteado, o chefe dirigiu-se para o não sorteado que respondeu, não sou eu, eu não faço nada nesta m..., nesta empresa, com aquele precioso sorriso nervoso e sardônico, cheio de sardas. Na realidade seu trabalho é semelhante mas o xará parece capturar mais elogios do que ele por alguma razão misteriosa. Vai ver que é o tamanho de sua ferramenta de trabalho... sua ironia deixou patente que tem gente insatisfeita com uma ideia aparemente brilhante que acabou virando corrupção e propina. 

Tinha que ter sido ideia de um brasileiro, claro... mas hoje um sujeito totalmente anti-social recebeu nada menos do que dois elogios. Glória a Deus nas alturas, alguém se tocou...

Continua...