sábado, 20 de junho de 2020

Eu Sou Australiano



Esta é uma música muito cantada na Austrália, principalmente em eventos nacionais, que são muitos durante o ano. Eu diria que alí é preciso, porque a nação é formada por muita gente de fora, que trás e mantém suas tradições e culturas, então seria necessário incutir na cabeça de todos que, além de suas nações, eles também são australianos. Na realidade, poucos estrangeiros assumem sua australianidade assim, integralmente. Por exemplo, chineses e asiáticos não fecham suas lojas ou restaurantes nos dias consagrados à nação australiana. Antes de considerá-los arredios, nós costumamos considerar que eles gostam de trabalhar e trabalham mais do que todas as outras nacionalidades.

A música é "Eu Sou Australiano" (I Am Australian), e pela primeira vez em 20 anos, resolvi esmiuçar o que ela diz com precisão, daí passei a apreciá-la "very much". Isso porque ela fala de todas as origens dos australianos com respeito mesmo para os criminosos, que no caso nunca o foram em termos de pura maldade, mas por contingências, como é o caso do herói maldito Ned Kelly e dos prisioneiros políticos. Se todos os prisioneiros eram políticos, não sei, é preciso pesquisar mais, porém, prisioneiros políticos nunca são criminosos, mesmo que tenham matado ou assaltado, porque eles têm um objetivo nobre que nunca é apenas para si próprios, quando são bons.

A música emociona, principalmente aqueles que tiveram a oportunidade de viverem na Austrália e tenham conseguido se livrar do encantamento inicial para cair na real. Sim, aquele país tem o que se admirar, por mais que o critiquemos, assim como todos os países do mundo, suponho que até os piores, há sempre que haver alguma coisa boa, como a Síria, cujos fugitivos são forçados por uma guerra provocada por interesses financeiros de fora, mas amam sua terra onde cresceram suas famílias e sonham retornar quando a deixarem em paz.

A música começa dizendo que nós, australianos, somos todos um só, justamente porque somos uma panela que se dissolve, como se canta Nova Iorque, "a melting pot". Isso porque viemos todos de fora, com excessão dos aborígines, e nos misturamos, mesmo que não na mesma proporção do Brasil, e principalmente porque na Austrália tem poucos negros, sabe-se lá por que razão, motivo de outra pesquisa. No Brasil somos todos misturados com negros e índios, mas na Austrália, os índios, ou aborígines como são conhecidos, têm a pele escura, de forma que as feições dos miscigenados são diferentes dos brasileiros, além de manterem o cabelo liso ou cacheado, quando os brasileiros miscigenados têm cabelos crespos. Com excessão de parte dos sulistas racistas e alguns núcleos familiares, o resto do Brasil é miscigenado.

Apesar de achar bonitas as diferencas raciais e culturais, não apoio o racismo ou ufanismo, mas a tendência é que, com tanta miscigenação, o planeta se torne global e as culturas particulares de cada nação acabem se fundindo numa só num futuro longínquo ainda. Mas se esta é a direção da evolução, então vamos em frente.

Aborígines australianos são o povo mais antigo do planeta
Mais um Hino

Considero esta música um hino australiano também, pela sua difusão e respeito. Só falta as pessoas colocarem a mão no peito quando a escutam ou cantam em conjunto. Esta música foi largamente difundida pela companhia de aviação australiana, a Qantas, o que a popularizou para os estrangeiros récem-chegados através da televisão.

Em seguida, a música diz que somos um, mas também somos muitos, porque viemos de diversos cantos do mundo, veja letra lá embaixo. Contudo, todos compartilham o sonho de serem felizes e viverem em paz, e por isso o cantam em uma só voz, que todos são australianos.

A seguir, retrata vários tipos de origens dos australianos, como um verdadeiro hino deveria ser. Fala dos aborígines primeiro, porque foram os povos originais por 40.000 anos, que um dia viram os navios chegarem para tomar-lhes parte de suas terras e relegarem sua cultura a segundo plano. Crianos no barro dos quase desertos, conhecem a terra como ninguém até os dias de hoje. Para quem pensa que deserto não tem nada, engana-se, é preciso ser especialista para sobreviver nele e sair vivo. E por isso tantos turistas perdem a vida quando resolvem se embrenharem achando que é tudo divertido apenas.

O "continente" australiano que na realidade é uma ilha enorme e sem fronteiras com país nenhum, assemelha-se a um prato, cujo centro é mais baixo do que o nível dos mares que a cercam. Embaixo desta vastidão de terra existe um imenso lençól freático de água potável de difícil acesso, mas está lá. Vasto percentual da terra é desértica, mas por incrível que pareça, chove, e nascem flores que a embelezam vez por outra anualmente. Entretanto, pode-se dizer que a terra é um nada, uma imensa planície horizontal, como se a terra fosse plana, que pode ser cortada por uma linha de trem que não acaba mais, que as pessoas utilizam como hotel enquanto viajam de uma ponda à outra, horizontalmente no globo terrestre. Nunca fizemos esta viagem caríssima para ver nada, fica para os amantes das bizarrices que nâo têm com o que gastar. Assim mesmo é conhecer o deserto. Me poupem... nada contra quem gosta...

Dizem que, para conhecer a Austrália, é preciso embrenhar-se no mato e conviver com os aborígines. Não tivemos este prazer também não. O problema aborígine na Austrália merece vários capítulos à parte, como só agora estamos vendo o problema dos índios no Brasil, que sempre viveram como se não existissem para as populações das cidades. Só agora estamos cientes da dimensão da comunidade indígena brasileira e dos problemas que elas sempre enfrentaram por várias causas atuais que fogem deste post.

A música então fala dos australianos seguintes que chegaram como prisioneiros em navios, permaneceram presos na colônia até se tornarem livres e começarem suas vidas no mato, se tornando australianos, aprendendo a cultivar a terra seca e a criar animais cujo maior contigente e mais tradicional é o das ovelhas.

Os australianos seguintes são os filhos daqueles primeiros imigrantes forçados, mocinhas filhas dos mineiros em busca de minerais preciosos as quais se tornaram mulheres e procriaram, populando o país, e também os filhos da Depressão no exterior, fugidos da pobreza em busca de oportunidades seja onde fosse. Com muita batalha eles fizeram a Austrália crescer.

Então vieram os românticos em busca de vida nova que criaram uma cultura difícil de ser dissociada da européia, mas com toques aborígines acabou por vingar e tornar-se característica. A música cita um representante autêntico da cultura aborígine, outro da literatura, Ned Kelly que foi o herói Robin Hood do deserto, onde roubava para alimentar os imigrantes empobrecidos e por isso era um procurado, e finalmente sobre a expressão "Waltzing Matilda", que representava a caminhada dos andarilhos livres à procura de trabalho temporários nas fazendas do interior brabo agarrados com seus sacos de dormir que serviam de sacola de parcos pertences, que eram suas Matildas.

Esta cena do filme Priscilla tem grande conteúdo
cultural australiano, o deserto, o espírito explorador,
o estardalhaço dos anos 70, a discriminação contra
os gays, e a equipe de drag queens
Por fim, a música fala das particularidades da terra australiana, como seus desertos quentes e quase inabitáveis se não fosse pela tecnologia, como a do ar condicionado, das terras escavadas pelas minas em busca de riqueza mineral, das parcas montanhas virgens e dos poucos vales de cascatas, das constantes enxentes imensas naqueles planos por causa de chuvas torrenciais inesperadas quando a terra não tem capacidade de absorver e chupar aquela água toda com a velocidade de evitar inundações que costumam dar muita dor de cabeça aos batalhadores do interior e às companhias de seguro.

E fala dos rios, quando eles existem, pois muitos são sazonais, dependem das chuvas, enquanto outros são tão rasos e largos que evaporam, e finalmente do espírito da terra cultivado pelos aborígines com respeito.

A música termina lembrando que somos todos um só, mesmo que tenhamos vindo de todas as partes do mundo ou ainda estejamos vivendo fora, temos este elo de ligação que não se dissolve, uma vez experimentado. É mais fácil apreciar o país da gente quando estamos fora. Como se costuma dizer, damos valor ao que tínhamos só quando perdemos, quando estamos longe, quando não podemos curtir mais do jeito que deveríamos ter curtido quando estávamos lá. Aconteceu comigo, brasileiro na Austrália, e agora acontece comigo de novo, como australiano no Brasil. Para minha sorte posso manter as duas cidadanias até segunda ordem, quando mudarem as regras, mas o ideal é esse mesmo.

Descendentes de aborígines miscigenados ainda são considerados
aborígines na Austrália. Primeiro oftalmologista aborígine
cuida de uma autêntica aborígine idosa
Para quem um dia me perguntou, se houvesse uma guerra entre o Brasil e a Austrália, que lado eu tomaria, sempre respondi que estaria do lado daquele que tivesse razão e justiça, não interessa onde meu coração esteja. Neste preciso momento não seria difícil escolher, mesmo sabendo da dimensão das pessoas maravilhosas que ainda povoam o Brasil, no momento elas estão colhendo terríveis resultados de sua falta de cuidado com o rico país que elas possuem. Trabalhei lá para melhorar o país para eles, que se tornou meu também por reconhecimento, e hoje trabalho para tornar o Brasil melhor, como nunca arredaria um pé caso jamais tivesse saído do Brasil para morar fora.

Por isso se diz que viajar dá cultura. Só viajando é que se olha pra trás e tem-se noção das diferenças para valorizar o que se tem em casa. Viajar se assemelha a ler muitos livros, com a vantagem de se viver as cenas e não imaginá-las. E viajar para morar em alguns lugares é muito melhor e diferente de apenas dar uma de turista. O turista não absorve a cultura, ele apenas assiste como a um espetáculo e tudo o que é estranho é motivo de deslumbramento. Absorver a cultura é entender porque as pessoas são diferentes e aprender o que é melhor em cada uma para implementar na outras, sempre na tentativa de melhorar todas elas. Viajar é esquecer que existe preconceito pois não há tempo e não tem significado. Você entende que todos os povos são generosos e amigáveis, que o amor está em toda parte, expressado de várias formas não tão diferentes assim, e que no mundo somos todos passageiros como num ônibus ou num avião, convivendo uns com os outros apenas por um período limitado de tempo. Um tempo que deve ser aproveitado para amar, e não se perder tempo odiando.

Coloquei as letras da música em Inglês e Português no vídeo demonstrado aqui para todos entenderem a profunidade e particularidade da cultura daquele país que parece uma quimera distante.

I Am Australian
Eu Sou Australiano

The Seekers

I came from the dream-time
Eu vim dos tempos ancestrais

From the dusty red-soil plains
Das planícies poeirentas de terra vermelha

I am the ancient heart
Eu sou o velho coração

The keeper of the flame
O guardião da chama

I stood upon the rocky shores
Eu permaneci nas margens rochosas

I watched the tall ships come
Eu vi os grandes navios chegarem

For forty thousand years I've been
Por quarenta mil anos eu fui

The first Australian
O primeiro australiano

I came upon the prison ship
Eu cheguei num navio prisão

Bowed down by iron chains
Alquebrado por correntes de ferro

I cleared the land, endured the lash
Eu limpei a terra, aguentei o chicote

And waited for the rains
E esperei pelas chuvas

I'm a settler, I'm a farmer's wife
Sou colono, esposa de fazendeiro

On a dry and barren run
Em uma corrida seca e árida

A convict, then a free man
Um condenado, e depois um homem livre

I became Australian
Me tornei australiano

I'm the daughter of a digger
Eu sou filha de um escavador

Who sought the mother lode
À procura do veio principal

The girl became a woman
A menina tornou-se uma mulher

On the long and dusty road
Na longa estrada poeirenta 

I'm a child of the Depression
Eu sou um filho da Depressão

I saw the good times come
Eu vi os bons tempos chegarem

I'm a bushie, I'm a battler
Eu sou do mato, sou um lutador

I am Australian
Eu sou australiano

We are one, but we are many
Nós somos como um só, mas somos muitos

And from all the lands on earth we come
E de todas as terras do mundo viemos

We'll share a dream and sing with one voice
Compartilhamos um sonho e cantamos em uma só voz

"I am, you are, we are Australian"
"Eu sou, você é, nós somos australianos"

I'm a teller of stories
Sou contador de histórias

I'm a singer of songs
Eu sou cantador de canções

I am Albert Namatjira
Eu sou Albert Namatjira

And I paint the ghostly gums
E eu pinto os caules fantasmagóricos

I'm Clancy on his horse
Eu sou Clancy em seu cavalo

I'm Ned Kelly on the run
Eu sou Ned Kelly em fuga

I'm the one who waltzed Matilda
Sou quem dançou a valsa Matilda

I am Australian
Eu sou australiano

I'm the hot wind from the desert
Eu sou o vento quente do deserto

I'm the black soil of the plains
Eu sou o solo preto das planícies

I'm the mountains and the valleys
Eu sou as montanhas e os vales

I'm the drought and flooding rains
Eu sou a seca e as enxentes chuvosas

I am the rock, I am the sky
Eu sou a rocha, eu sou o céu

The rivers when they run
Os rios quando correm

The spirit of this great land
O espírito desta grande terra

I am Australian
Eu sou australiano

We are one, but we are many
Nós somos um, mas somos muitos

And from all the lands on earth we come
E de todas as terras do mundo viemos

We'll share a dream and sing with one voice
Vamos compartilhar um sonho e cantar com uma só voz

"I am, you are, we are Australian"
"Eu sou, você é, nós somos australianos"

We are one, but we are many
Nós somos um, mas somos muitos

And from all the lands on earth we come
E de todas as terras do mundo viemos

We'll share a dream and sing with one voice
Vamos compartilhar um sonho e cantar com uma só voz

"I am, you are, we are Australian"
"Eu sou, você é, nós somos australianos"

"I am, you are, we are Australian"
"Eu sou, você é, nós somos australianos"

Source: LyricFind
Songwriters: Bruce Woodley / Dobe Newton
I Am Australian lyrics © BMG Rights Management

https://www.youtube.com/watch?v=uBI3xiDzxMM

sábado, 13 de junho de 2020

Waltzing Matilda


Este é considerado o Hino da Austrália. Embora não seja o oficial, ele é o mais conhecido, o mais cantado e o mais gravado. Este vídeo mostra a essência da cultura australiana, mas para entendê-lo eu, que vivi lá por 20 anos, levei muito tempo para entender, devido aos enigmas entranhados na cultura mais pura e rude do interior daquela ilha-continente praticamente desértica.

Primeiro a qualidade do vídeo é uma tônica na arte produzida na Austrália, representada por um coral de vozes hiper-afinado até a perfeição, constando de praticamente todos os tipos de seres humanos que lá habitam, desde os caucasianos descendentes de inglêses, até os asiáticos imigrantes ou filhos de imigrantes de vários países e regiões do mundo, incluindo representantes LGBT+, alguns aborígines e poucos negros, é verdade. 

A música é irlandêsa porque praticamente metade dos caucasianos australianos são descendentes dos presos políticos enviados da Inglaterra para o fim do mundo, como a Austrália é ainda hoje conhecida, "Lá Embaixo" (Down Under). Os irlandeses, que se diferenciavam dos inglêses por serem festeiros, extrovertidos e gostarem de festas e muita bebida, legaram a parte considerada descontraída da reputação dos australianos espiritualizados, junto com os presos de outras nacionalidades. Eles eram desterrados e não tinham tradições familiares além de serem pobres, então quando fugiam das prisões, vagavam pelo deserto de fazenda em fazenda, oferecendo trabalhos avulsos em troca de guarita e comida. Isso é até onde sei como récem-estudante da história verdadeira da Austrália, e o que mais me interessa, a história que não se conta mas que é a verdadeira.


Aqueles homens, e não mulheres, eram conhecidos como "swagmen", ou homem da sacola, porque por onde caminhavam sob o sol ardente, carregavam seus parcos pertences enrolados num grosso saco de dormir que apelidaram de Matilda, pois com elas eles dormiam e não se apartavam delas nas noites frias do deserto. Lembrem que em áreas desertas e tórridas, as noites podem ser congelantes. Em suas caminhadas, eles acampavam perto de lagos denominados pelos aborígines australianos como "billabongs", e como não tinham café para lhes esquentar, ferviam chá em suas chaleiras chamadas "billy".

A paisagem desértica da Austrália é coberta por uma árvore adaptada cujo caule se descasca devido à secura da atmosfera que, no entanto, é boa para as peles secas dos caucasianos que não suam e nem sentem nojo do suor daqueles que vivem nos trópicos. Esta árvore é o eucalipto ou "coolabah tree", encontrado em toda parte, e que perfumam o ar do país nos maiores confins do desconhecido.

Estes homens eram pobres, desempregados, e costumavam trabalhar na maior cultura australiana que é a lã de carneiro, como tosquiadores, a profissão masculina mais tradicional daquele país e celebrada como tal. Muitas vez, com fome e sem trabalho, eles caçavam e podiam se apoderar de alguma ovelha, conhecida como "jumbuck", desgarrada para passarem bem em churrascos no meio do nada. 

Porém, tal como aqui no Brasil, naquelas bandas dos confins do planeta, havia posseiros ("squatters"), grileiros ou invasores que se apoderavam de vastas terras onde criavam seus rebanhos e a lei eram suas armas. Eles eram apoiados por cavaleiros jagunços armados, mas no caso da história deste hino, tratou-se de soldados ("troopers") mesmo. A história deste hino representa um líder de rebelião, Samuel Hoffmeister, que fugiu para o deserto depois que sua greve dos tosquiadores foi desbaratada pelos soldados armados da nação, em proteção aos proprietários de terras e rebanhos.

O caso deste "swagman" terminou em tragédia quando ele, para não ser pego e feito prisioneiro, preferiu a liberdade de suicidar-se nas águas de um "billabong", ou seja, a cultura do suicídio que também está presente neste símbolo nacional de forma discreta mas definitiva. Ele havia furtado uma ovelha que apareceu, mas quando o posseiro descobriu e ia pegá-lo, ele correu e suicidou-se primeiro em ato de desespero e desesperança na vida eternamente sofrida.

Matilda

Esta imagem hoje representa o mais profundo sentimento australiano da história que é regada a algumas particularidades que fazem esse povo diferente do europeu. Naquelas paragens infinitas dos desertos australianos, os brancos se embrenhavam e ganhavam a vida de qualquer jeito no interior como caipiras, então este é o jeitão do macho australiano mais preservado, o solteirão lobo solitário dos desertos que não precisa de mulher, não tem família e podem dar cabo de suas vidas quando assim lhes aprouver, mito que persiste até hoje no subconsciente dos australianos brancos com muito orgulho.

Porém o maior enigma foi entender porque valsar com a Matilda. Acontece que isso é uma expressão que significa nada além de caminhar pelo deserto junto com seu saco de dormir às costas apelidado de Matilda. Com a Matilda, eles se divertiam nos pubs, se embebedavam e dançavam como se elas fossem mulheres, na tremenda falta delas, algo que um dia fez o governo australiano oferecer recompensas para as mulheres européias se mudarem para casarem com os homens australianos, e nós conhecemos um caso destes, uma mulher que veio do melhor país europeu onde teve uma vida infeliz para casar-se com um australiano e deu certo pois permaneceram juntos até a morte.

A Matilda era a companheira do "swagman", e caminhar com ela nas costas era romantizado como valsar na poeira do deserto com muito charme, classe e elegância dos homens brancos europeus tomadores de chá, mesmo na selvageria do fim do mundo. Podiam nem sequer saber ler, mas mantinham a elegância de um povo galhardo, orgulhoso e que não se dobra às normas da sociedade, preferindo viver livres das obrigações sociais.

Portanto, a história deste hino é simples, mas requer muito conhecimento para traduzí-la e gravá-la no coração para ser capaz de cantá-la e repetí-la com emoção. A história mostra a falta de perspectivas que aflige os australianos nativos em geral, sem ligações religiosas nem familiares, com vidas muito independentes, tanto que podem desenvolver taras sem que ninguém se atreva a se meter ou aconselhar, uma liberdade que ultrapassou todos os limites do bem estar social em comunidade, promovendo o egocentrismo e a solidão como valores essenciais, quando não são.

O australiano nato gosta da vida simples apesar de sua sofisticação. Ser simples como um jardineiro por profissão, mas ser sofisticado porque utiliza tecnologia ultra-moderna que lhe garante o mesmo trabalho numa fração de tempo que o permite viver na alta classe média com todos os direitos e reagalias de uma vida digna na sociedade. Para nós, de outras nacionalidades, não entendemos como não se valoriza as universidades que se tem, deixando-as para os imigrantes que podem pagar enquanto eles permanecem no nível médio, muito obrigado, estou bem aqui. 

Mas isso é parte do tal jeito relaxado que dá fama ao australiano no mundo, cuja figura masculina em geral é retratada como um louro bronzeado barrigudo agarrado na garrafa de cerveja, de sandálias havaianas, bermudas e sem camisa, a vagar cheio de dentes rodeado de amigos do mesmo tipo ao ar livre, de preferência ao lado de sua rústica 4x4. Este é o sonho de todo australiano e de muitos homens no resto do mundo como ideal de vida masculina, ser um "bloke" (macho em inglês rústico).

Neste hino informal australiano se vê diversas contravenções como a existência do grileiro ou o cara que não tem título de posse da terra que invadiu e se entitulou proprietário na base das armas, o suicida ostensivo promovendo um crime pra cima de si mesmo numa sociedade campeã de suicídios no mundo por insatisfação masculina, que é quem mais se mata principalmente, o roubo de uma ovelha, ato este que também faz parte do lúdico australiano onde roubar em lojas se chama "shoplifting" e é tão comum que ninguém liga muito pra isso, o tomar chá de origem burguesa da Inglaterra como charme de elegância mesmo no meio do deserto e das cobras venenosas, e o macho rústico que toda feminista odiaria e repudiaria à primeira vista.

A expressão Valsar com a Matilda (Waltzing Matilda) é mesmo uma forma elegante que significa tudo o que se quizer, conforme o contexto. Uma forma única para sentimentos dissonantes. Pode ser usada como ameaça, como esperança, como disfarce, como tudo o que se quiser para despistar o discurso cujo significado fica por conta de quem a houve e interpreta. Esse tipo de obrigação de interpretar usando a inteligência, nós, brasileiros, não estamos acostumados a experimentá-lo e estranhamos ainda mais. Uma vez um australiano descendente de italianos me falou que achava os brasileiros muito óbvios. Levei alguns anos para entender o que ele queria dizer e que na hora senti como se fosse um insulto. É que o disfarce e a hipocrisia comanda o jeito australiano de ser de uma forma que, qualquer coisa diferente, é duvidada, estranhada e vista com maus olhos, tudo menos acreditar que a pessoa não é hipócrita como todos à sua volta o são e sempre foram. Por isso me disseram que, para um australiano lhe considerar amigo, é preciso mais de 10 anos de convivência. São muito desconfiados.

Na letra da música, a frase serve tem vários sentidos:

  • Estou aqui entediado a passar o tempo só esperando aparecer alguém pra caminhar  comigo, a dançar a Valsa Matilda 
  • Ovelha ingênua, vou pegá-la para fazer um churrasco e você vai dançar a Valsa Matilda comigo 
  • Seu patife ladrão de ovelhas, você vai dançar uma Valsa Matilda comigo na prisão
  • Você não me pega vivo, minha alma vai assombrá-lo e você vai dançar a Valsa Matilda comigo nos quintos dos infernos

Por isso eu levei tantos anos para resolver investigar o que diabos significava este hino tão venerado pelos australianos em sua cultura meio vedada a estrangeiros com outros princípios morais de vida diferentes dos brasileiros latinos.

Com saudades da Austrália, resolvi colocar a letra do hino nas nossas duas línguas, em Inglês, já que pouca gente entenderia o que pretendia ouvir, e em Português, com uma tradução mais pelo sentido do que ao pé da letra. Espero que "enjoy" (gostem).

Nesta letra há algumas palavras únicas da Austrália, portanto merecem uma tradução bem clara, como "jumbuck" que significa ovelha, "billy" que significa chaleira, "billabong" que significa lago em linguarem aborígine, "coolibah tree" é eucalipto, 

"Waltz", valsar, porque era a dança dos nobres europeus, já que australiano não tem forró ou música sertaneja e caminhar pelo barro do deserto era romanticamente considerado como valsar, e a "Matilda" é o saco de dormir que aqueles andarilhos não largavam.

No final do vídeo aparece a frase "lest we forget" que significa, "jamais esqueceremos". Como o hino Waltzing Matilda, esta frase deve também ser impressa nos corações de todos os australianos como reconhecimento e agradecimento por aqueles soldados que vão à guerra para defendê-los, como forma de conforto aos seus mortos e como forma de dignificação da atitude nobre de sacrificar suas vidas pelas de suas comunidades. Quando os militares merecem, devem ser agradecidos com dignidade, concordo, o que é algo um pouco difícil de acontecer no Brasil. Na Austrália, aprendemos a respeitar os militares... de lá, mesmo que sempre existam as manipulações políticas e econômicas desde que o mundo é mundo.

O que me intriga no final deste relato é a ausência da figura feminina em toda esta cultura machista. A Austrália parece o paraíso masculino no fim do mundo, e quanto às mulheres? É preciso fazer um outro tipo de estudo sobre a mulheres na Austrália, e talvez então se possa explicar porque a atitude delas é tão diferente das dos homens, e muito mais diferente das brasileiras em média, se confundindo muito mais com as feministas do mundo inteiro na direção que foram obrigadas a tomarem. Devemos lembrar que a Austrália foi um dos primeiros países do mundo em que a estabelecer o sufrágio feminino (mulher poder votar) em 1902, atrás da Nova Zelândia em 1893. No Brasil, isso só aconteceria em 1932.

Contudo, na próxima música a ser esmiuçada neste blog, assim espero, já veremos a presença feminina.

https://en.wikipedia.org/wiki/Women's_suffrage

Genocídio 2020


https://vimeo.com/428317738

GÉNOCIDE, une vidéo art comme arme de résistance émerge à Paris, au cœur de la Place du Trocadéro.

Une performance dediée à la mémoire des toutes les victimes du génocide brésilien.

Le Brésil meurt chaque jour un peu plus quand son peuple est fauché par la pandémie, deuxième pays le plus touché avec un nombre réel de victimes certainement dix fois supérieur aux chiffres annoncés et la grande part de la population précaire et exploitée sacrifiée une fois de plus sur l’autel des profits d’une minorité insatiable et prête à cautionner tous les crimes pour conserver ses privilèges.

Le Brésil meurt chaque jour un peu plus quand sa fragile démocratie est menacée par un gang de mafieux de la politique arrivés au pouvoir par le biais d’une élection manipulée et qui autorisent implicitement toutes les violences racistes, homophobes et contre les militants politiques, les peuples autochtones et les journalistes et qui encouragent la destruction de ses forêts et de ses espaces naturel livrés aux appétits sans limites des géants de l’agro-business et d’aventuriers sans scrupules.

Avec le Brésil c’est un peu de la beauté du monde, de sa diversité humaine et naturelle, de sa magie qui meurt chaque jour dans le grand silence des démocraties et en particulier des pays européens qui continuent comme si de rien n’était leurs affaires avec un gouvernement cynique et mortifère qui foule aux pieds tous leurs principes.

… Et pourtant un autre Brésil est possible.

Em Português

GÉNOCIDE, um vidéo art como potente arma de resistência emerge em Paris, no centro da Praça do Trocadeiro.

Uma performance em memória de todas as vitimas do genocídio brasileiro.

COVID-19 Dashboard by the Center for Systems Science and
Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University (JHU), 13/06/2020,
dia de Santo Antônio, Brasil, segundo da lista em contágio e mortes
O Brasil morre a cada dia um pouco mais quando seu povo é ceifado pela pandemia, o segundo país mais atingido, com um número real de vítimas certamente dez vezes superior ao anunciado, e a grande parcela da população precária e explorada é de novo sacrificada no altar dos lucros de uma minoria insaciável e disposta a endossar todos os crimes, a fim de preservar seus privilégios.

O Brasil morre a cada dia um pouco mais quando sua frágil democracia é atacada por uma gangue de mafiosos, que chegou ao Planalto Central por meio de eleições manipuladas e que implicitamente autoriza todas as formas de violências racistas, homofóbicas e contra políticos adversários, ambientalistas, os povos nativos e profissionais da imprensa, e que incentiva a destruição de suas florestas e reservas naturais, entregues ao apetite ilimitado de gigantes do agronegócio e aventureiros sem escrúpulos.

Com o Brasil, é um pouco da beleza do mundo, de sua diversidade humana e ambiental, da sua magia, que é atacada a cada dia, sob o ensurdecedor silêncio das democracias e, em particular, dos países europeus que, fazendo de conta que nada de grave acontece, continuam seus negócios com um governo cínico e mortal, que atropela todos os princípios.

E no entanto, um outro Brasil é possível.

In English

In the square of Trocadero, em Paris, a video-art GÉNOCIDE appears as a potent form of resistance.

In the memory of all the victims of the Brazilian genocide.

Brazil dies a little more each day when its people are cut short by the pandemic, it is the second most affected country, with a real number of victims ten times more than announced. Great part of its precarious and exploited population is once again sacrificed at the altar of profits by an insatiable minority, willing to endorse all forms of crime in order to preserve their privileges.

Brazil dies a little more everyday when its fragile democracy is attacked by a gang of mobsters, who arrived in the presidency through rigged elections, and implicitly authorize all forms of racist and homophobic violence against opposing politicians, environmentalists, native peoples and media professionals. They encourage the destruction of forests and natural reservations, delivered by the unlimited appetite of agrobusiness giants and unscrupulous exploiters.

With Brazil a bit of the beauty of the world, of human and environmental diversity and magic are attacked every day. Under the deafening silence of democracies, in particular of European countries, that pretend that nothing serious is happening, they continue their business with a cynical and mortal government, which overrides all principles.

However, another Brazil is still possible.

https://vimeo.com/lilianemutti