sábado, 11 de fevereiro de 2017

O Silêncio dos Inocentes

Não se trata do filme, trata-se dos inocentes brasileiros mesmo, que são jogados de lá pra cá como trouxas de roupa suja, só sendo respeitados quando o país dobra à esquerda. O título do post é inspirado no artigo abaixo.

Mas, cá pra nós, tem coisa mais avacalhada do que bater panelas? Esse ato é a cara de quem bate. Mas vamos reproduzir aqui um texto muito melhor do que os que eu escreveria, se bem que não adianta nada porque só quem lê é quem não precisa. A não ser que nós fizéssemos como naquele filme Laranja Mecânica, em que prendem o cara e obrigam ele a assitir às lições. Artigo do site The Intercept - Brasil.

Juliana das panelas, assim não vale
O Silêncio das Panelas

PANELEIROS, POR ONDE andam? Seu cúmplice silêncio não é de hoje, mas depois que as tratativas evocadas por Romero Jucá para melar a Lava Jato naquele célebre telefonema começaram a materializar-se como um joguinho perfeito de Tetris, onde tudo se encaixa no timing exato – até a morte do relator do processo no supremo –, era de se esperar o retorno da sua fúria estridente.

Ainda mais com o douto (só que ao contrárioAlexandre de Moraes no STF, uma nomeação cujas nefastas consequências ultrapassam simplesmente pôr em risco o resultado da operação tão querida pelo brasileiro “de bem”. Ainda mais com Edison Lobão, investigado em dois inquéritos da Lava Jato, presidindo a sabatina de Moraes no Senado. Ainda mais com a tentativa de foro privilegiado para Moreira Franco – sem direito a chilique da grande imprensa e áudio vazado por Sérgio Moro, como quando da quase nomeação de Lula na Casa Civil, em março passado, supostamente pelo mesmo motivo. Ainda mais com a ventilada nomeação de um Ministro da Justiça crítico à Lava Jato. Ainda mais…

Só assim homem pegava em panela no Brasil
A lista de motivos para que os amarelinhos voltassem a marchar pelas ruas contra a corrupção só faz crescer. O Vem pra Rua “discute convocar atos”, mas sabemos que o brasileiro “de bem” não sabe pensar sozinho e costuma apenas sair à rua quando a Globonews ajuda na chamada. Sua indignação seletiva é um traço de falta de caráter. Ou isso, ou não foi exatamente contra a corrupção que bateram panelas no ano passado.

Voltemos a fita: a oposição derrubou uma presidente eleita, cuja única e exclusiva qualidade para o cargo era justamente a de ser honesta – ainda que num partido manchado pela corrupção, como todos os outros –, para tentar “estancar a sangria” da operação conduzida por Sérgio Moro. O mesmo juiz, no meio do caminho, ofereceu vastas evidências de que poupava tucanos enquanto seus procuradores investiam na tese delirante de que Lula, montado em pedalinhos de ouro, seria o solitário líder máximo da “organização criminosa”, com grande estardalhaço na imprensa. Ao contrário do que acontece quando Eduardo Cunha coloca Temer no núcleo do Petrolão.

A cena é complexa, algo sai de controle todos os dias e os atores estão errados pelos motivos certos – e vice-versa. Por isso, a dicotomia empurrada pela grande imprensa goela abaixo dos brasileiros – de bem ou não – é insuficiente para completar o quadro. Mas bastante útil para convocá-los para a rua quando conveniente. Não é exatamente uma novidade.


Há pouco mais de um século, Lima Barreto publicou “Memórias do escrivão Isaías Caminha”, seu primeiro romance. Desde então, o retrato da corrupta elite e corrupta imprensa carioca presente no livro merece poucos retoques. Lendo o Lima, a impressão que temos é a de que o tempo não passa no Rio de Janeiro – e no Brasil.

“Isaías Caminha” é baseado nas suas experiências no Correio da Manhã. No entanto, como trata-se de um “roman à clef”, onde todos os nomes são trocados, o escritor profeticamente chama o jornal onde seu narrador auto-ficcional trabalha de O Globo. Sobre as revoltas que incendiaram as ruas na primeira década do século passado, ele escreve:

“As vociferações da minha gazeta tinham produzido o necessário resultado. Aquele repetir diário em longos artigos solenes de que o governo era desonesto e desejava oprimir o povo, que aquele projeto visava enriquecer um sindicato de fabricantes de calçado, que atentava contra a liberdade individual, que se devia correr a chicote tais administradores, tinha-se incrustado nos espíritos e a irritação alastrava com a violência de uma epidemia.”

Em condições normais de temperatura e pressão no Brasil o povo só vai pra rua se Sinhô mandar. Pelo que lemos pelos seus arautos e ideólogos, Sinhô ainda não parece muito animado nesse momento. Mas dá sinais de mudança. Esperemos.


J.P. Cuenca para o The Intercept - Brasil
10 de Fevereiro de 2017



Carta Aberta

Depois de dois anos que saímos do Brasil, em 5 de agosto de 2001 recebemos uma carta de uma amiga saudosa falando do Brasil quando o PT ainda não tinha ganho a eleição presidencial. 16 anos depois parece que nada mudou. É como se 14 anos de governo do PT não tivesse modificado nada, quando sabemos que foi o melhor governo brasileiro de todos os tempos, rivalizando a era Getúlio Vargas, quando eu não era nascido. Havíamos partido do Brasil ainda durante o governo de FHC, sem esperanças do país um dia melhorar. A carta da nossa amiga, trazida à tona dos velhos alfarrábios arquivados no baú do sótão embolorado, diz assim, apesar de mencionar o PT e Pc do B quando eles apenas estavam lançando candidatos à presidência naquela época e ninguém poderia prever o futuro, o arrastão do governo do trabalhador operário de quatro dedos:

Estou aqui, num fim de tarde, ou melhor, início de noite de um domingo, cheia de preguiça, com a síndrome da segunda-feira me atormentando e eu resistindo a ela, pois preciso tabalhar minha cabeça para começar mais uma semana de trabalho. As coisas no Brasil continuam as mesmas, os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres, e nós achatados nesse sanduíche, ralando para sobreviver com qualidade de vida. O país está caminhado para o caos (se é que não esteve sempre), assaltos, medos da violência urbana, o dólar lá em cima, ameaça de inflação, políticos e mais políticos cada vez mais corruptos, ladrões mesmo. Entra governo, sai governo, PT, Pc do B, e as coisas não melhoram! Fazer o quê? Ficar ou sair? Amar ou deixar nosso país? Eis a questão.
Enquanto minha mulher queria conhecer outras culturas, eu saí do Brasil não só porque foram lá me recrutar, mas o principal motivo era ter ouvido tiros pela primeira vez lá embaixo do prédio em que morávamos na principal cidade política brasileira, quando a polícia estava perseguindo ladrões e nossas crianças ouviram e nunca mais se esqueceram. Aquilo fora a gota d'água para não pensar duas vezes.

Guarita blindada de segurança no prédio residencial padrão no Brasil
Até então vivendo em pequenos apartamentos cercados de segurança e grades ou muros altos com guaritas, eu ficava pensando com meus botões na calada da noite em como fazer para poder criar meus filhos numa casa de verdade, rodeada de janelas de vidro, sem muros e com um gramado na frente e um quintal atrás para o cachorro, num subúrbio em que pudéssemos passear com eles à pé sem nos preocuparmos com violência, trânsito ou criminalidade. 

Eu bolava planos para construir nossa casa, desenhava plantas baixas e as perspectivas laterais e tridimenssionais, mas sempre esbarrava na maldita necessidade de segurança que arrasava com meu projeto de liberdade. Eu acabava murando meus projetos, isolando as construções da rua e gradeando suas enormes vidraças, não havia lugar em que pudéssemos construir tal sonho, exceto dentro de condomínios fechados com guaritas pedindo identificação como se fôssemos viver dentro de um quartel, em meio a uma falsa liberdade. Eu pensava até em mudar para o interior do estado de Santa Catarina onde havia visto e visitado casas parecidas com meu sonho, mas não havia empregos por lá.

Casas típicas, mas não era essa...
Deus ouviu meus pensamentos e decidiu me presentear com meu sonho concretizado. Mas para isso Ele teve que me levar para literalmente o outro lado do mundo, conforme eu havia um dia desejado, "eu só queria ir para o lugar mais longe possível desse país".

Sim, costumo dizer que tenho que ter cuidado com o que desejo, porque acaba se cumprindo ao pé da letra. Deus moveu-me para um paraíso em que pude concretizar meu desejo de criar nossas crianças livres da ameaça de criminalidade e violência, exatamente numa casa do jeitinho conforme eu andava imaginando que seria ideal, envidraçada e sem muros nem grades.

Foram vários anos de tranquilidade onde os problemas eram outros, de outro nível bem mais leve do que os problemas do Brasil. Já mencionei aqui que cheguei com trauma de pós-guerra pois vivíamos numa guerra civil não declarada no Brasil, exatamente como hoje de novo, depois do sonho do PT no governo. O nível de corrupção na Austrália além de ser menor do que no Brasil, é muito mais disfarçado, nos permitindo ter vivido beirando o paraíso enquanto as coisas não pioravam como têm estado piorando no mundo inteiro desde que chegamos aqui.

... nem essa tampouco...
As crianças estudavam em escolas públicas de qualidade que eram alcançadas através de aléias de pedestres arborizadas e em meio a parques, e por vezes saíamos para passear nas trilhas de pedestres construídas só para isso, permeando as casas do bairro, e inclusive subindo as serras, o que nos permitia uma visão de todo o subúrbio com as montanhas ao redor e o lago no meio. Tudo isso foi muito curtido em passeios com o cachorro ou de bicicleta, sem o menor perigo além de um eventual susto ao nos depararmos com um canguru imenso, maior do que eu, postado na calçada de uma casa, mais como medo de nós do que nós dele.

Vista do subúrbio muitos anos atrás, da trilha das montanhas, mas
não se enganem, beleza não põe mesa e falta alma e calor
humanos num mundo de propriedades capitalistas
Foi assim desde a alfabetização até as crianças partirem para a universidade em Sydney, sendo seguidas por seus pais, vida regada a passeios ao redor da Austrália até que tudo cansou e faltou a essência humana das pessoas, a essência de ser brasileiro. Não me refiro à corrupção, refiro-me à nossa capacidade de nos tornarmos amigos, que o australiano não tem. Amizade para eles é apenas uma noção, vivendo embaixo de um capitalismo perverso.

Porém, Sydney é hoje uma das cidades mais caras do mundo. Se você sabe Inglês, leia esta reportagem, Sydney É Muito Entediante e Dispendiosa para Trabalho no Futuro, Dizem Empreendedores de Technologia: o sonho aqui também acabou...

http://www.smh.com.au/technology/innovation/sydney-too-boring-expensive-for-jobs-of-the-future-tech-entrepreneurs-say-20161127-gsyi8x.html






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