sábado, 10 de maio de 2014

Touro Indomável (Raging Bull)

1980

A história de Jake LaMotta, um antigo campeão de boxe meio-pesado cuja reputação por tenacidade e sucesso no ringue foi ofuscada por seus problemas na vida doméstica, cheio de ódio, inveja, e suspeitas - particularmente com relação à sua esposa e seu irmão empresário - os quais, no final, lhe deixam sem nada, sozinho e em busca de redenção.

Lançamento: 10 de dezembro de 1980 (USA)
Diretor: Martin Scorsese
Script: Jake LaMotta
Cinematografia: Michael Chapman

O verdadeiro Jake LaMotta
Ontem assisti ao filme Touro Indomável, com Robert de Niro, filme de Martin Scorsese, com a intenção de interpretar uma cena para ajudar minha filha em seu trabalho da universidade. 

Na hora do frigir dos ovos, ficamos sem saber como interpretar, a não ser pela observação dela de que Martin Scorcese gostava de ressaltar a atenção que o protagonista oferece à seu objeto de paixão mostrando a cena em câmara lenta.

Pensei e pensei, e de repente veio à minha cabeça um outro mundo embutido naquele filme o qual provavelmente poucos críticos reconheceriam. 

Ora, como explicar o irracionalismo do protagonista quando reagia com brutalidade, batendo nas mulheres, no irmão, agindo com violência e agressividade? Apenas por ser um pugilista?

O incomparável Robert de Niro com Jake LaMotta nas filmagens
Claro, o filme é sobre o lutador de boxe Jake LaMotta, história verdadeira, mas ao invés de apenas descrever o óbvio de que a história é sobre um cara violento que não consegue ser feliz por sua própria irracionalidade, vi algo mais nessa história além do óbvio. 

Dando asas à imaginação, raciocinei que, tudo o que ele percebia "em câmara lenta" era verdade, mas todas as pessoas à sua volta tiravam aquilo da cabeça dele. Como ele não chegava a conclusão nenhuma sobre suas desconfianças, ele carreava suas frustrações para a violência, a qual era muito útil nos ringues a fim de vencer as lutas e proporcionar muito dinheiro para aqueles que apostavam nele, principalmente seus patrocinadores.

Ele percebia que a futura mulher dele pertencia aos grandões do boxe de sua região, e até ao irmão também. Ele percebia que ela tinha uma relação incomum com todos eles, principalmente quando às vezes dava beijos na boca, muito íntimos, até no irmão. Quando ele se enfezava com estas percepções que o incomodavam, ele reagia com violência e a turma do deixa-disso acabava vencendo e convencendo-o de que era tudo de sua própria imaginação.

Raging Bull em Inglês
No filme tem muitas dicas de como o sujeito era manipulado, mas nada é assim tão claro. Você pode conseguir armar todo o plano se pensar muito depois de assistir ao filme inteiro. Foi isso o que fizemos, pois analisar uma simples cena sem saber o contexto total do filme não ia produzir uma boa crítica.

A cena era a do lutador entrando numa festa beneficente onde estava a elite do boxe para a qual ele havia sido convidado, para a mesa dos graúdos, algo que não fazia parte de sua vida normal, ao mesmo tempo em que ele divisa uma garota muito sensual lá do outro lado do salão. Quando ele olha para esta garota, a câmera se torna lenta, mostrando que ele está todo atento a ela e ao que acontece ao redor dela. E o que ele vê é que, apesar dela ser bastante jovem conforme ele descobriria mais tarde, ela é rodeada dos capangas da elite do box com bastante intimidade, algo assim como um troféu ou uma presa. Ele sente isso, mas o que ele vê é seu desejo pela garota e nada mais e ingnora suas perecpções seguidamente. A cena termina quando ela deixa o baile e ele vai atrás só para vê-la partir com a entourage e toda regalia de uma princesa.

Tatuagem. Como é que uma universidade divulga um filme
violento como este, principalmente para alunas?
Nesta hora, na saída do baile, mostram uma confusão e um barraco, querendo dizer que aquele ambiente também não era a fina flor da sociedade. No início da cena, ele e o irmão entram pelos cantos, se escondendo nos pilares e nas plantas, mostrando que ele não está acostumado com o ambiente, enquanto que os chefões se sentem em casa.

Minha filha notou as mãos do padre gesticulando na frente da face do protagonista, o qual havia se sentado no lugar do meio, de frente para a câmera, como ela notou que ele era para ser a figura principal da cena, mas as mãos o colocaram em segundo plano, como quem despreza a sua importância e a ofusca. É interessante como cada cena pode ser interpretada e parece mesmo ter sido montada para causar uma reação da audiência, mas eu, particularmente, acho que o bom diretor faz isso mas nem está ciente do que está fazendo, é automático. Posso estar errado, pois não sou diretor de cinema.

O incrível ator Robert de Niro que mudou de corpo 3 vezes para o
filme, não é efeito de maquiagem
E o que rola neste filme é uma briga entre o que o lutador sente e o que ele aceita como verdade, contra o seu sentimento mais íntimo, o que o torma cada vez mais insatisfeito e revoltado, descontando nos oponentes, para a alegria dos chefões apostadores.

Em outras palavras, em toda a sua carreira de sucesso, ele é um produto cuidadosamente montado e usado pelos mafiosos para lhes encher de grana. Ele sente isso mas não pode provar nem com o próprio irmão, mais inteligente e sacana.

O filme mostra a história sob o ponto de vista do lutador, mas não mostra claramente o mundo ao redor dele. Por exemplo, quando ele suspeita que sua nova mulher o está traindo, não fica claro se ela está mesmo simplesmente porque ele não consegue provar, mas tudo indica que suas percepções são verdadeiras e as nossas também. Ele apenas não tem confiança em si mesmo para levar adiante as suas suspeitas e reage com violência e agressividade contra o que não pode entender, instintivamente. Ele já desconfiava da primeira mulher, mas naquele caso era por sua própria insegurança.

O confiante LaMotta no filme, dono do mundo
É assim que muita criança ou adolescente reage à vida porporcionada por seus pais mentirosos e que lhes dão vergonha, reagindo com comportamento auto-destrutivo só por reação de pirraça ao que não podem entender nem aceitar, mas sentem que tem algo errado. LaMotta não passava de uma criança.

Para percepções mais acuradas, a história parece mais ser sobre os poderosos daquela área no negócio das apostas de boxe do que propriamente sobre o lutador apenas. Eles identificam prospectivos lutadores, os conquistam, treinam, nutrem e cuidam de sua carreira. Eles identificam homens que nutrem a raiva dentro deles, que são manipuláveis e podem usar a agressão nas lutas como válvula de escape, homens que não têm muita convicção sobre o que significa felicidade e vida para eles, que se guiam mais pelo que a sociedade os dita. 

Homens facilmente manipuláveis como as massas brasileiras que andam fazendo demonstrações de protestos nas ruas hoje em dia, facilmente manipuláveis por magnatas como o dono do Facebook associado a gente ainda mais poderosa e inteligente no sentido de tirar vantagens dos outros e dominá-los para os seus próprios e únicos interesses que são classicamente sempre os mesmos, poder e dinheiro.

Verdadeiro LaMotta
Jake era casado, porém sua mulher não era exatamente um padrão de fineza a ser apresentado à sociedade. Além disso, ela não suportou a agressividade dele ao adentrar naquela profissão que por si só já promove a violência. Insatisfeito com a mulher pouco submissa, ele interessa-se por outras, o que é aproveitado pelos mandões. É quando disfarçadamente colocam esta prospectivamente perfeita candidata a próxima esposa sedutoramente à sua frente, uma garota supostamente de 15 anos, "pura e imaculada", a qual, entretanto, de imaculada não tinha nada, e que acedeu a todos os apelos de Jake com a maior facilidade, a começar por se impressionar com seu carro, mostrando o grau de frivolidade da moça, coisa que não o deixou cabreiro diante de seu pensamento fixo em conseguí-la pra ele. 

Ela, na realidade, foi uma mulher fácil demais, e sua cabeça foi feita pelo irmão que disse que aquela era mulher para casar e cortejar. Isso nos leva a crer que ela havia sido contratada para o papel que desempenharia na carreira milionária do lutador de futuro, mas ele não sabia disso e também não fica muito claro para nós, a audiência. Contudo, ele suspeitava que ela não era totalmente sincera e que tinha coisa por trás, mas todos o dissuadiam de tais pensamentos, principalmente seu irmão, seu treinador, seu guia, seu empresário, que também se aproveitava do irmão e de seu privilégio de ter acesso à intimidade do irmão.

O barrigudo de Niro/LaMotta e sua segunda família
No final de sua carreira, depois de ter se tornado o lutador mais temido e colecionado vitórias, distribuindo dividendos para todos os envolvidos, sua segunda maravilhosa mulher que havia aguentado toda a sua agressividade resolve lhe deixar e "acabar o contrato". A estas alturas ele já havia iniciado carreira de dono de boate e contador de piadas, que parece ser o seu fim, gordo e fora de forma, decepcionado com o mundo. Contudo, o herói real ainda está vivo nos dias de hoje.

No final ele descobre que era um homem cego e que só agora é que conseguia enxergar, no final do filme, quando esta frase é estampada na tela. Enxergar o quê? Que ele havia sido joguete de todo mundo à sua volta, enquanto que havia acreditado todo o tempo que era elel quem tinha o controle sobre tudo, como um idiota. A frase é mais uma dica para nos levar a pensar. Ele então reconheceu-se como o idiota que sempre foi, que acabou sem nada, sem família, sem lar, apenas com o emprego de humorista cansado e amargo em seu próprio bar, acreditando-se comediante a entreter os bêbados da audiência. Sua ingenuidade foi denuncidada quando ele destruiu um cinto da vitória para retirar as jóias incrustradas e conseguir dinheiro com elas só para depois saber do comprador que o cinto valeria muito mais.

LaMotta e seu irmão, Joey LaMotta (ator Joe Pesci) na cena a ser criticada
Todos os trairam, mas não adiantava ele desconfiar, não podia provar e todos o manipulavam para tirar por menos e continuar fazendo seu papel de pau mandado, quebrando a cara dos outros lutadores e ganhando suas migalhas, o bastante para ter Cadillacs e casa com piscina, mantendo-se entretido. Na história, seus filhos são apenas coadjuvantes apagados, nenhuma relação especial com eles. Isso mostra o quanto bloqueado ele era para dar valor aos próprios sentimentos.

Naturalmente que com um irmão manipulador daqueles, ele não poderia desenvolver o amor com os filhos que se mantiveram distantes e amedrontados, filhos das duas mulheres. O filme não conta essa história.

Minha filha pesquisou várias críticas a este filme mas não conseguiu achar nenhuma que ressaltasse este ponto, e sua tendência foi a não acreditar nas minhas considerações, embora tenha feito uso delas em seu trabalho da escola. Só uma das críticas deu uma pequena dica sobre uma explosão violenta que seu irmão teve de repente, ao reagir à mulher de seu irmão tendo uma decisão própria de ir ao bar sozinha, dizendo que seu marido nem mesmo f... mais com ela. Aquela reação de quebrar a cara do mafioso que a protegia no momento eu diria que foi um último resquício de amor ao irmão, querendo proteger sua imagem, e largando todo o ódio acumulado pela situação a qual ele havia sido parte principal em montar, descontando todo o seu ódio em cima de um cara só. A cena de largar a porta do táxi no pescoço do cara é antológica.

Mais violência doméstica, atualmente um surto preocupante
na Austrália. Ora, porque seria. não é?
Achei que este não era bem o tipo de filme que uma universidade devesse promover com seus alunos por ser violento, principalmente considerando que há mulheres no meio de seus alunos. Mas a cultura australiana não é exatamente cristã e está acostumada a reverenciar seus sanguinários soldados que vão pra guerra, o que quer dizer que está embutido na cultura o culto à violência e agressividade subliminar, pois é assim que os países coligados ganham as guerras e dominam o mundo hoje em dia, subliminarmente, cada dia utilizando armas mais sofisticadas como a espionagem dos governos e o Facebook. Hoje não é nem mais preciso ter exércitos ou batalhões, as pessoas comuns e a polícia do país fazem o trabalho para eles, é só manipulá-los direitinho. Seria isso o "controle da mente" que tantos teoristas da conspiração falam?

O filme foi feito em preto-e-branco, não só para associá-lo a um clássico, mas também para nos transportar para as décadas passadas onde a história aconteceu. Universidades e vulgo eruditos dos países abastados costumam idolatrar estes filmes carcomidos do passado como obras de arte, desprezando tudo o que se faz na modernidade. Muita gente assiste a certos filmes caindo aos pedaços de velhos tantas vezes que são capazes de reproduzir os diálogos enquanto estão assistindo, como se o mundo inteiro não produzisse mais nada. Se eu fosse decorar os diálogos de todos os filmes que assisti na vida, ou pelo menos apenas dos melhores filmes da minha lista, quanto tempo não perderia e deixaria de assistir a tantos outros? Cada doido com sua mania.

2 comentários:

  1. Mônica Costa postou este comentário via Google+ que transcrevo aqui:
    Muito boa história, também recomendo a história de Roberto Duran no seu filme. Quando leio que um filme será baseado em fatos reais, automaticamente chama a minha atenção, adoro ver como os adaptam para a tela grande. Particularmente Mãos de Pedram, adorei este filme e aqui: http://br.hbomax.tv/movie/TTL610124/Maos-De-Pedra, podem ver mais detalhes. A história é impactante, sempre falei que a realidade supera a ficção.

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