domingo, 22 de novembro de 2015

Vitamina de Cultura

Fiquei muito feliz hoje de ter sido avaliado como estando no meio das nossas duas culturas, brasileira e australiana, pois é isso o que mais me empenho em papaguear, digo, propagar, que o melhor das nossas culturas deveria ser a mistura das duas no que cada uma tem de melhor. Pois agora fui promovido à própria personificação desta minha ideia.

As marcas negras são do neguinho aqui. As azuis são brasileiras
(deviam ser verdes) e as vermelhas da Austrália (deviam ser azuis
 
por causa da bandeira) para não se apossarem da cor do PT.
Este foi o resultado de uma pesquisa que colocou meu perfil de brasileiro vivendo no exterior nesta posição, feita por uma das principais organizações do mundo, a qual concentra-se em ajudar os indivíduos e organizações a se tornarem mais eficientes ao trabalharem numa escala global, através de uma ferramenta cultural on-line desenvolvida pela empresa. Àqueles que utilizam a ferramenta são fornecidas informações sobre a forma de interagir eficazmente com pessoas de cada parte do mundo. Como o acesso é restrito a certas empresas e universidades, suponho que não possa divulgá-la aqui, infelizmente.

De acordo com a figura acima, do lado esquerdo estão, na ordem, independência, igualitarismo, risco, objetividade, fóco no trabalho, e do lado direito, o contrário, respectivamente, interdependência, hierarquia, segurança, evasão, relacionamento.

Através das respostas a perguntas meticulosamente elaboradas, o sistema conclui o que dirige o comportamento de cada um dos respondentes individualmente. Juntando todo mundo de um mesmo lugar, a média representa a cultura do país.

Pesquisa on-line
O lado esquerdo dos resultados apresenta mais objetividade e menos interação social, enquanto que o lado direito apresenta mais relacionamento social do que rigor nas tarefas do trabalho. É o caso de conversar muito e tomar cafezinho enquanto o outro fica dando duro na mesa de trabalho. Já no Brasil, eu não me encaixava muito bem no padrão nacional, então não se pode dizer que virei a casaca ao morar no exterior.

No quesito independência versus interdependência, ser independente se contrapõe a depender dos outros sendo "interdependente", ou seja, enquanto um trabalha só e prefere interagir socialmente no decorrer do trabalho, o outro só trabalha em grupo, ou perde mais tempo construindo relações sociais do que trabalhando.

Pregando...
No quesito igualitarismo versus hierarquia, o primeiro prega a igualdade das oportunidades e dos direitos, enquanto que o segundo implica em pessoas com mais direitos e mais autoridade do que outras. Neste aspecto suponho que as respostas não reflitam a honestidade dos respondentes, porque aqui na Austrália as pessoas se submetem mais à autoridade do chefe do que no Brasil, onde esta autoridade pode ser obedecida pessoalmente, mas pelas costas ela é desafiada. Suponho que era assim que os austrailanos queriam ser, mas não é o que tenho observado in-loco.

No quesito risco versos segurança, o sujeito que aceita riscos pode ser doido ou ter apoio para fazer isso, enquanto que o que prefere a certeza da segurança para tomar decisões que não lhes tragam problemas na realidade dependem do julgamento de seus superiores de quem ele morre de medo de ter que enfrentar e justificar-se. Naturalmente que não sou suicida de correr riscos sem me preocupar com as consequências, mas pelo jeito o australiano se gaba de ser suicida, o que duvido muito. O suicídio deles é outra história. Me vejo desafiando e correndo riscos muito mais do que a média deles no trabalho, mas como isso é o que eles aprendem na escola, então devem responder conforme o esperado para atingirem a maior pontuação, os sabidinhos. Não se esqueçam que a Austrália se divide em australianos e imigrantes ou filhos de imigrantes altamente especializados em suas próprias universidades, e estes realmente correm riscos, ousam e avançam o país tecnologicamente, mas para efeitos de divulgação, eles são australianos.

Uma das perguntas envolve a capacidade de dizer NÃO!
No quesito objetividade versus evasão, ser objetivo ou evasivo baseia-se na capacidade da pessoa enfrentar suas decisões na frente dos outros, ser capaz de dizer não ou criticar abertamente, sem subterfúgios ao contrário de indiretamente. Esfregar o dedo na cara do outro sem temer que ele o pegue na esquina.

No quesito fóco no trabalho versus relacionamento, ter fóco nesta pesquisa foi colocado em oposicão a dar mais ênfase ao relacionamento. Eu não vejo assim, você pode ser focado no trabalho e manter relacionamentos do mesmo jeito. A melhor prova disso é o nosso filho, extremamente aplicado na universidade e no trabalho, porém com um grande número de relacionamentos reais e humanos, e não apenas digitais. E outro exemplo sou eu mesmo, enquanto treino minha nova subordinada, a transformo em mais uma amiga na vida. Se o povo australiano tem problemas em manter amizades sinceras, este não é o meu problema, o que posso fazer, eu faço.

Choque cultural mesmo entre irmãos
Mais um exemplo de choque cultural: minha mulher estava acabrunhada na academia de ginástica quando chegou uma colega, perguntou porque, e falou, que tal um café? Minha mulher respondeu, e café é bom pra isso (levantar o moral)? Ela ficou descabreada e passou a evitá-la nos dias seguintes. Nossa filha, que assistira a tudo, falou que minha mulher havia dado um fora nela. O lance foi que a australiana não foi clara ao chamá-la para tomar um café, mesmo sabendo que minha mulher não domina o Inglês como ela, e por conta disso recebeu uma resposta que lhe pareceu um fora. Que fazer?

Outro exemplo: uma colega chega pra minha mulher na academia e fala, "não estou muito bem hoje". Minha mulher naturalmente diz, "é, você não parece bem mesmo". A mulher ficou enfesada, deu uma rabissaca e disse, "mas eu vou ficar melhor!" Isso foi porque a resposta esperada por ela seria assim: "minha filha, vai ficar tudo bem, você vai melhorar". Do jeito que minha mulher falou como brasileira, mostrando que já tinha notado que ela não estava bem claramente, para ela soou como "você está horrrível, está um lixo, valha-me Deus".

Nada melhor do que conspirações para levantar dúvidas
De modo que, apesar de feliz com o resultado da pesquisa, ela está longe de ser infalível principalmente porque o que as pessoas dizem não é o que as pessoas fazem. Elas são sempre do tipo que aconselham "faça o que eu digo, não faça o que eu faco". Resultado muito aristotélico (lógico) e pouco platônico (emocional, intuitivo, psicológico). Eu, o Espírita, vou mais longe...

Atraso Cultural

O conhecimento de outras culturas ajuda nos negócios. Por exemplo, um australiano não deve pensar que, se um brasileiro chega atrasado numa tele-conferência ou reunião, ele o está desrespeitando, como é o que eles estão preparados pra pensar, do alto do pedestal de suas arrogâncias. 

Ele deve saber que chegar atrasado é uma instituição brasileira tolerável, mesmo que ele a odeie. Enquanto todos não chegam numa reunião, as outras pessoas tomam cafezinho e conversam entre si promovendo o contato social e expandindo a tal "network" de amigos e conhecidos. Os australianos não gostam disso porque significa falarem de si mesmos, de suas vidas, e eles não curtem o que consideram invasão de privacidade porque, realmente, costumam ter muito a esconder. 

Faça o que eu digo, não faça o que eu faço
E como eu vejo este aspecto cultural? Bem, detesto atrasos e gosto de começar reuniões na hora exata como os anglos, indo direto ao ponto a ser resolvido. A diferença para os anglos é que, depois da reunião, para mim é hora da sociabilização, da descontração, tendo resolvido tudo o que era pra ser resolvido na reunião, mas para eles é hora de desaparecer depois da missão cumprida e nada de lero-lero. Do meu jeito une-se o útil ao agradável e podemos eat the cake and have it too (manter o bolo mas comê-lo também, um dos mais conhecidos jargões anglos que eles adoram mas dizem que detestam).

Este tipo de comportamento se deve à tal da independência sob a qual eles são criados, o que é uma coisa boa em si, mas é ruim quando ela afasta as pessoas, pais filhos e amigos que não se atrevem a se meter na vida deles por causa da tal independência e da tal privacidade, então eles fazem o que querem e frequentemente escolhem péssimas opções sem ter consultado ou se aconselhado com ninguém. 

O brasileiro não tem tanto a esconder até porque, se descobrem, ele tá lascado, e geralmente se descobre, pois brasileiro gosta de ser xereta e de falar dos outros. A contrapartida disso é que cada um pode contar com uma pá de gente pra ajudar quando ela precisa, enquanto os australianos têm que confiar nos serviços impessoais tipo polícia, bombeiros, ambulâncias e assistência social, todos sem conexão emocional nenhuma, ou seja, nenhum comprometimento de amizade ou amor, nenhum compromisso além do profissional que depende de cada um. É um salve-se quem puder.

Perna errada...
Para o brasileiro as decisões tornam-se mais difíceis porque tendem a agradar a todos, senão o criticam, enquanto os australianos têm mais autonomia, o que não impede dos outros criticarem do mesmo jeito, porém pelas costas, o que o faz sentir-se mais independente, senhor de si, e consequentemente, mais arrogante.

Conclusão

A conclusão que tiraram sobre mim, de certo modo me contrariou. Fiquei com tendências a ser dependente, algo execrável, e minha capacidade de interação social ficou um pouquinho pior do que o australiano, quando me considero bem mais sociável do que eles. O que ando fazendo de errado? Muita internet?

Gostei da posição com relação a ser direto pois não gosto de evasivas ou mentiras, mas realmente não sou radical, nesta parte posso concordar com o resultado da pesquisa. Sei sobre minhas limitações quanto a riscos e prefiro assim, enquanto no quesito equalitarismo, não gostei de ter sido colocado quase no meio do caminho entre ele e a obediência e defesa da hierarquia. Pensei que era melhor do que isso em termos de justiça humana. 

Pai às avessas... o famoso caso do pai alemão cujo filho mandou
nele e tornou-se o seu modelo masculino. Homem usar saia não é
problema em certas culturas. Para este pai fazer o sucesso que fez,
era preciso usar um vestido. Me engana que eu gosto...
O que mais detesto é submeter-me à vontade de alguém, exceto se esse alguém tem autoridade natural como um Jesus Cristo, porém suspeito que esta conclusão foi tirada porque respondi que no trabalho nem apoio liberdade total nem autoridade total, mas alguém tem que ter alguma autoridade. 

Sou mesmo a favor da liberdade total, mas reconheço que nem a todo mundo pode ser dada total liberdade. Então estas conclusões têm sempre algum "porém" que deveria ser levado em consideração. Dentro da liberdade total é onde aparece a liderança natural.

Uma prova que o relacionamento é mais importante do que as tarefas profissionais para o brasileiro pode ser exemplificada no próximo post.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são moderados para evitar a destilacão de ódio que assola as redes sociais, desculpem.