domingo, 24 de abril de 2016

Green Lula

Entrevista Exclusiva de Glenn Greenwald com ex-Presidente Lula

Glenn Greenwald, 11 de abril de 2016

https://theintercept.com/2016/04/11/assista-entrevista-exclusiva-com-ex-presidente-lula/


Enfrentando um dos piores escândalos de sua carreira política, incluindo uma investigação criminal, Lula é mais desafiador do que nunca, e se mostra disposto para a corrida presidencial de 2018.

Esta é a versão em Português do artigo e vídeo. Para versão em Inglês, 
clique aqui. (This is the Portuguese version of the article and video. For the English versions, click here.)

A trajetória de vida do ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio “Lula” da Silva,
 é extraordinária. Nascido em extrema pobreza, Lula deixou a presidência em 2010, após exercer dois mandatos, com uma aprovação popular de 86%, sem precedentes, provavelmente destinado a desfrutar de um respeito quase universal no cenário do mundo e a ser lembrado como um dos maiores estadistas da História moderna. De forma similar ao caminho pós-governo seguido por Tony Blair e Bill e Hillary Clinton, Lula, desde o término de seu mandato, tem agregado um grande poder pessoal por meio de seus discursos e prestado serviços de consultoria a potências globais. O partido de esquerda moderada co-fundado por ele, Partido dos Trabalhadores (PT), já controla a presidência por quatorze anos consecutivos.

Manifestantes na parada portam grandes bonecos infláveis ​​
representando o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva,
em uniforme da prisioneiro e a atual presidenta Dilma Rousseff
vestida como ladra, com uma faixa presidencial em que se lê
"Impeachment", em São Paulo, Brasil, domingo, 13 março, 2016.
Photo: Andre Penner/AP 
Apesar disso, todo o legado de Lula agora está seriamente ameaçado. Um grave escândalo de corrupção envolvendo a empresa estatal petroleira do país, Petrobras, está inundando a elite econômica e política do Brasil, com o PT no centro de tudo isso. Protegida de Lula e sua sucessora escolhida a dedo, a ex-guerrilheira marxista e atual presidente Dilma Rousseff enfrenta uma ameaça real de impeachment (agora apoiado pela maioria dos brasileiros) e sua impopularidade, devido a uma recessão severa e difícil de tratar. Membros da alta cúpula do PT foram presos. Protestos de rua em massa, a favor ou contra o impeachment, se tornaram violentos recentemente, com agressões físicas cada vez mais comuns entre os manifestantes.

O próprio ex-presidente Lula foi citado na investigação criminal, levado coercitivamente pela Polícia Federal para interrogatório, acusado pelo ex-líder de seu partido no Senado de “comandar” um grande esquema de propinas e negociatas, foi alvo de grampos telefônicos feitos por investigadores que gravaram suas conversas e acusado formalmente de receber e manter presentes indevidos (incluindo uma sítio). Como resultado, seu índice de aprovação no Brasil caiu num primeiro momento, mas uma pesquisa divulgada ontem pelo Jornal Folha de S. Paulo revela que Lula divide com a ex-senadora Marina Silva (Rede) a liderança na corrida eleitoral para a presidência em 2018.

Graças ao forte apoio da maioria pobre da população brasileira, no cenário apresentado para 2018 Lula prevalece sobre outros políticos de destaque (os quais, em sua maioria, lutam contra acusações de corrupção), e acredita-se que ele vá concorrer à presidência novamente ao final do mandato de Dilma: seja em 2018, conforme esperado, ou mais cedo, em caso de impeachment ou renúncia da presidente. Nenhuma pessoa que tenha acompanhado a carreira de Lula – incluindo aqueles que querem vê-lo preso – pode descartar a possibilidade de que ele seja presidente do Brasil mais uma vez.

Dinastia da Plutocracia
Lula nega veementemente todas as acusações contra ele e se considera uma “vítima” da classe plutocrática ainda poderosa no Brasil e de seus órgãos midiáticos, que moldam a opinião pública. Isso, embora a publicidade dos governos Lula e Dilma na mídia tenham ultrapassado a casa dos bilhões de reais.

Lula insiste que o PT está na mira por causa da inabilidade desses grupos em derrotar o partido ao longo de quatro eleições consecutivas, e do seu medo de que ele concorra e ganhe de novo. Há duas semanas, o The Intercept publicou uma longa matéria falando sobre o escândalo e sobre os perigos que ele traz à democracia brasileira, que escrevi com Andrew Fishman e David Miranda; na semana passada, publicamos uma versão condensada em um artigo de opinião na Folha de São Paulo. A conscientização de que o impeachment está sendo conduzido por, e iria beneficiar, políticos e partidos com acusações de corrupção muito mais sérias do que aquelas atribuídas a Dilma – que ainda não é formalmente processada
 – retardou o processo da campanha pró-impeachment que, apenas semanas atrás, parecia quase inevitável.

Na última sexta-feira, no Instituto Lula, em São Paulo, conduzi a primeira entrevista dada por Lula desde o recente surgimento dessas controvérsias. Discutimos sobre vários aspectos do escândalo de corrupção, da campanha pró-impeachment, das acusações contra ele, sobre o futuro dele e do PT na política e o papel da mídia dominante de direita no Brasil como incitadora de uma mudança no governo. Também discutimos as visões dele sobre uma série de outras questões políticas de debate acirrado, incluindo a nova lei brasileira antiterrorismo e espionagem, a guerra às drogas, as condições precárias do sistema prisional do país, os direitos LGBT, o aborto legal e o papel de grandes empresas como doadoras de campanha durante eleições no Brasil.

Conduzida em português, a entrevista de 45 minutos pode ser assistida abaixo; segue uma transcrição completa (a entrevista com legendas em português e a transcrição, também em português, disponível aqui):



TRANSCRIÇÃO
A transcrição foi editada para adequar conteúdo e ficar mais clara.
GLENN GREENWALD: Bom dia, senhor presidente. Obrigado pela entrevista.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA: Bom dia.

GREENWALD: Quero começar com a investigação da Lava Jato. Em 2008, Wall Street, nos Estados Unidos, criou, com fraudes e outras ações corruptas, uma crise econômica horrível que gerou sofrimento intenso para muitos países do mundo, incluindo o Brasil, e que continua até hoje.

E o fato mais incrível é que não tem nenhum grande empresário que foi para a prisão ou sofreu consequências legais por esses crimes. Esses eventos criaram a percepção de que os grupos mais poderosos, mais ricos, têm imunidade sob a lei e só os pobres e as pessoas sem poder são punidas por crimes.

Mas, aqui no Brasil, com Lava Jato, a gente está vendo o oposto: os brasileiros mais ricos, mais poderosos, estão indo para a prisão. Bilionários, magnatas, figuras de quase todos os partidos.

Eu sei que o senhor tem muitas críticas sobre esse processo. Eu também fiz umas reportagens sobre o comportamento do juiz Sérgio Moro em torno da política.

Mas concorda que tem um aspecto positivo com esse processo que está mandando um sinal forte que todos, independentemente do poder, posição, riqueza, são sujeitos à lei?

DA SILVA: Olha, primeiro, o PT, o Governo e eu pessoalmente não temos que ficar zangados com o processo de investigação, porque o governo tem muita responsabilidade pelo o que está acontecendo. Ou seja, foi exatamente no governo do PT que nós criamos todas as condições para as instituições funcionarem corretamente.

Foi no nosso governo que nós consolidamos a autonomia do Ministério Público, escolhendo sempre o procurador que a categoria quer que escolha, fomos nós que fizemos a Polícia Federal funcionar, investindo muito na contratação de pessoas e investindo muito na inteligência e na autonomia da Polícia Federal.

Fomos nós que criamos o Portal da Transparência, fomos nós que criamos a lei que permite que qualquer jornalista tenha toda a informação que quiser todo santo dia do governo.

Fomos nós que fortalecemos a Controladoria Geral da República, que investiga cada Ministério e que manda os processos para o Tribunal de Contas da União. E fomos nós que estabelecemos, junto com Tribunal de Contas, um processo de maior agilidade do Tribunal de Contas da União.

Então o governo tem responsabilidade por tudo o que está acontecendo, em primeiro lugar. Em segundo lugar, eu acho importante que, pela primeira vez, rico esteja sendo preso. Porque aqui no Brasil prendia-se um pobre porque roubava pão, mas não prendia-se um rico que roubava 1 bilhão. Prendia-se um pobre porque roubava remédio, mas não prendia um cidadão rico que sonegava imposto de renda.


Greenwald e Lula. Photo: Laura Colucci/Fireworx Media
GREENWALD: Esse é um aspecto positivo?

DA SILVA: Esse é um aspecto positivo. Aspecto positivo que eu acho muito importante e isso faz com que a gente possa sonhar que um dia este país seja um país realmente sério.

E o que eu acho negativo, e é uma pergunta que eu faço todo santo dia a mim mesmo: será que para você fazer o processo de investigação que você está fazendo é preciso fazer disso um Big Brother, é preciso fazer disso um espetáculo de pirotecnia todo santo dia?

Sem levar em conta que você pode estar condenando por uma manchete de jornal ou por uma reportagem na televisão alguém que depois venha a ser inocente? É possível fazer essa mesma investigação, prender as mesmas pessoas sem fazer a pirotecnia? Eu acho que é.

É possível analisar quanto é que está custando essa operação e, ao mesmo tempo quanto é que ela vai reverter aos cofres públicos e quanto ela está custando ao Brasil? Quanto que essa operação está implicando no custo do PIB, no custo do desemprego, na quantidade de dinheiro que deixou de ser investido neste país.

GREENWALD: Mas o senhor acha que esse processo é sobre destruir o PT, porque 60% dos políticos que são acusados no Lava Jato, por exemplo, são membros do PP, um partido da direita, não o PT?

DA SILVA: Eu vou entrar nessa história do PT, sabe, porque eu espero que haja uma pergunta específica sobre isso porque é o seguinte: primeiro, quando você faz uma lei e você estabelece condições para as instituições funcionarem corretamente, não tem proteção, a única proteção é a pessoa andar de acordo com a lei, é a pessoa fazer as coisas corretas, é as pessoas não cometerem erros.

E se o PT comete erros, o PT tem que pagar como qualquer outro partido político tem que pagar ou como qualquer outra pessoa que não pertença a partido político, afinal de contas, a lei é para todos, é assim que a gente consolida a democracia no Brasil e em qualquer parte do mundo.

Segundo, o que eu acho estranho na delação premiada é: eu denunciei isso em dezembro de 2014, não é agora. O que eu acho esquisito é o processo de vazamento seletivo das notícias normalmente contra o PT. Quando sai uma denúncia de um outro partido político, não passa de uma letra pequena nos jornais, cinco segundos na televisão. Quando é uma coisa contra o PT, é 20 minutos na televisão e é primeira página de todos os jornais, numa demonstração clara e visível de que há a tentativa, há dois anos, da criminalização contra o PT.

GREENWALD: Então, vamos discutir essas críticas daqui alguns minutos, mas quero perguntá-lo: várias vezes o senhor chamou esse processo de impeachment contra a presidente Dilma de golpe e a Constituição Brasileira prevê explicitamente o impeachment e, também, esse processo está sob a autoridade do Supremo Tribunal, com 11 membros, oito que foram apontados pelo PT, três pelo senhor e cinco pela presidente Dilma.

E também, esse Tribunal já tomou decisões importantes em seu favor. Como pode chamar esse processo de golpe?


Um manifestante segura uma bandeira brasileira com uma etiqueta
onde se lê em Português "Abaixo o golpe, nenhum impeachment"
durante um protesto em apoio à presidenta do Brasil Dilma Rousseff
e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Paulo, Brasil,
31 de março de 2016. Foto: Andre Penner / AP
DA SILVA: Mas tomou decisões contra também, e muitas. Ou seja, deixa lhe dizer…

GREENWALD: É, em todos os tribunais. Mas como pode ser um golpe quando está sob a autoridade de um tribunal assim?

DA SILVA: Eu vou lhe dizer por que é um golpe. É um golpe porque, embora esteja previsto na Constituição Brasileira, o impeachment, para que a pessoa seja vítima de um impeachment, é preciso que ela tenha cometido um crime de responsabilidade e a presidenta Dilma não cometeu um crime de responsabilidade.

Portanto, o que está acontecendo é a tentativa de algumas pessoas tentarem chegar ao poder desrespeitando o voto popular. Ou seja, qualquer um tem o direito de querer chegar à presidência da República, qualquer um, é só disputar.

Eu perdi três eleições, três. Não encurtei o caminho, esperei 12 anos para chegar à presidência da República… portanto, qualquer pessoa que quiser chegar à presidência da República, ao invés de querer derrubar o presidente, é melhor concorrer a uma eleição como eu concorri a três. Perdi e não fiquei zangado.

Então, eu acho que por isso que o impeachment é ilegal, porque não tem crime de responsabilidade. Na verdade, eu acho que as pessoas querem tirar a Dilma, sabe, desrespeitando a lei, cometendo, na minha opinião, um golpe político, porque isso é golpe político…

GREENWALD: Não pode ganhar a eleição. Quero perguntar: o PT pediu o impeachment dos três presidentes anteriores à presidência do senhor. O senhor acha que os três presidentes cometeram crimes de responsabilidade que justificavam o impeachment?

DA SILVA: Não, veja, o PT tinha pedido o impeachment para o Collor e aconteceu porque ele tinha cometido o crime de responsabilidade. Do Fernando Henrique Cardoso, a Câmara nem aceitou, a Câmara nem aceitou o pedido do impeachment. Portanto, morreu ali mesmo, né? Talvez porque não tivesse crime de responsabilidade.

Agora, esse pedido de impeachment também poderia ter sido recusado. Por que ele foi colocado… Por que foi aberto o processo e foi para a Comissão? Porque o presidente da Câmara ficou zangado, porque o PT não votou com ele na Comissão de Ética e ele resolveu se vingar do PT, tentando criar o impeachment da presidenta Dilma, o que eu acho um abuso muito grande neste momento político.


Encontro para as eleições presidenciais em São Bernardo do Campo
 circa 1989. Foto: Gamma- Rapho / Getty Images
GREENWALD: Eu quero perguntar sobre o Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados, porque a evidência da corrupção dele é esmagadora. Descobriram contas no Swiss Bank com milhões de dólares sem explicação. Além disso, ele claramente mentiu para o Congresso quando negou que tem contas em bancos estrangeiros.

Como explicar para estrangeiros, ou para brasileiros também, como um político tão corrupto pode permanecer não só o líder do Congresso Nacional, mas também liderar o processo do impeachment contra a presidente da República?

DA SILVA: O que é mais grave é como é que a imprensa trata ele com uma certa normalidade e não trata a Dilma com normalidade. Na verdade, a Dilma está sendo julgada por pessoas que são acusadas e ela não tem uma acusação contra ela.

A acusação que tem das pedaladas não foram crime, não foram cometidas, sequer foram julgadas as contas da Dilma pelo Congresso Nacional.

GREENWALD: Como explicar isso, porque acho que têm muitos estrangeiros que não conseguem entender.

DA SILVA: Não tem explicação a não ser o domínio da insanidade mental de algumas pessoas neste país. O Congresso Nacional poderia se respeitar, sabe, levando em conta que não existem condições políticas de fazer o julgamento da Dilma tal como eles estão fazendo.

O Eduardo Cunha não tem respeitabilidade, nem congressual, nem na sociedade, para fazer isso, mas acontece, às vezes até com uma certa proteção de determinados setores da mídia nacional, o que eu acho muito grave.

O que me preocupa mais em tudo isso é que o Brasil só tem 31 anos de democracia, é o mais longo período de democracia continuada neste país. E o que nós estamos fazendo neste momento é tentar brincar com a democracia. E com a democracia a gente não brinca, porque toda vez que a gente brinca com a democracia, toda vez que a gente nega a política, o que vem é pior.

GREENWALD: Existem fortes evidências mostrando corrupção dentro dos partidos de oposição ao governo do PT, isso é bem claro. Mas o senhor concorda que também tem um problema grave com corrupção dentro do PT?

DA SILVA: Deixa eu lhe falar uma coisa. Até agora na verdade o que existe é um processo de delação no caso de um tesoureiro do PT, ele foi condenado em um processo de delação, que ainda está em um processo que vai ser julgado, ele diz que não fez.

Ora, na delação premiada, você tem a tese da concussão, ou seja, o empresário que está preso vai se livrar da prisão tentando jogar a culpa do crime em cima de alguém. Qualquer dia, alguém pode citar que você, sabe, foi beneficiado com a doação de uma empresa. O que eu acho fantástico e hilariante é que as empresas têm dois cofres. Um cofre de dinheiro honesto e um cofre de dinheiro corrupto. O cofre de dinheiro honesto é para o PSDB, para o PMDB e para outros partidos. O cofre de dinheiro podre é para o PT. É no mínimo insanidade mental acreditar nisso.

É no mínimo a gente deixar de compreender que neste momento histórico, e não estou dizendo que o PT não tem culpa, não. E se o PT tiver culpa tem que pagar como qualquer outro partido. O PT não é imune. O que eu estou dizendo é que neste momento…

GREENWALD: Mas tem um problema grave…

DA SILVA: Neste momento histórico, o que existe é a tentativa de criminalizar o PT, de tirar a Dilma e de tentar evitar qualquer possibilidade do Lula voltar a ser candidato a presidente neste país.

GREENWALD: Entendo os motivos e todas as minhas curiosidades foram esclarecidas sobre essa questão. Se o senhor acredita que… Claro, tem muitos problemas intensos, acho que pior, em muitos casos, que a corrupção em outros partidos, incluindo o partido que está liderando o processo de impeachment contra a Dilma.

Mas também o senhor, um dos fundadores do PT, a pessoa mais importante dentro do PT com a presidente Dilma, aceita que tem um problema grave com corrupção dentro do seu partido?

DA SILVA: Eu acredito que tenha problema no meu partido, não acredito… Eu vou lhe contar uma coisa, quando começou o mensalão, determinados setores dos meios de comunicação diziam que era o maior processo de corrupção da história do planeta Terra. Depois foi chegando o processo, foi ficando difícil de provar, foi ficando difícil.

Ou seja, aí para consolidar o processo, inventaram a história, sabe, da lei do domínio do fato, a teoria do domínio do fato. Ou seja, eu não preciso ter provas, sabe, você é o chefe da redação, você é o culpado. Foi assim que aconteceu no mensalão, e agora eles estão construindo outra tese. Você veja que nós fizemos a campanha e, em outubro de 2014, uma revista escreveu uma manchete “Lula e Dilma sabiam de tudo”, está lembrado?

GREENWALD: Sim, claro.

DA SILVA: Deixa eu lhe contar uma coisa. Eu estou há dois anos, todo santo dia tem um artigo, todo santo dia tem um twitter, todo santo dia eu recebo uma informação “olha, prenderam tal pessoa que vai dizer que o Lula está envolvido”.

GREENWALD: Para ficar claro sobre este ponto: o ex-líder do PT no senado, Delcídio Amaral, disse que o senhor sabia sobre os esquemas de propina e também comandou isso.

DA SILVA: Deixa eu lhe falar, o Delcídio queria escapar da cadeia. O Delcídio é uma pessoa que tinha uma forte ligação com a Petrobras antes do PT.

Ele teve forte ligação com a Petrobras no governo do Fernando Henrique Cardoso, ele teve várias ligações com a Petrobras porque ele foi do setor durante muito tempo. Ou seja, o Delcídio mentiu descaradamente.

GREENWALD: Por qual motivo?

DA SILVA: Para sair da cadeia. Obviamente para sair da cadeia.

GREENWALD: Muitas pesquisas agora revelam uma forte e extensa indignação com o governo e com o PT, incluindo pessoas que foram apoiadoras do PT durante muito tempo. O senhor acredita que toda essa raiva contra o PT é ilegítima ou aceita que, em parte, é válida?

DA SILVA: Veja, eu não acredito que o ódio estimulado contra o PT vai prevalecer a vida inteira. Hoje, nós estamos vivendo um momento em que o ódio é estimulado 24 horas por dia contra o PT. O partido que mais fez política social neste país.

O partido que em apenas 12 anos mudou a história deste país. Demos cara aos trabalhadores, demos cara e cidadania aos pobres deste país, demos tudo que eles nunca tiveram. Por isso, o ódio estimulado de pessoas que não sabem repartir os espaços públicos com aqueles do andar de baixo.

Eu estou tranquilo e é por isso que eu discuto essa coisa com muita tranquilidade porque eu tenho dito o seguinte: eu duvido que tenha um empresário, amigo ou inimigo, que diga que um dia discutiu 10 centavos comigo. Veja, eu estou vendo as coisas acontecerem, estou vendo as mentiras que são contadas, eu estou vendo as invenções que estão fazendo contra o Lula, sabe, inventaram um apartamento para mim, alguém vai ter que me dar aquele apartamento.

GREENWALD: Mas você aceita que tem muitas pessoas, incluindo apoiadores do PT, que estão sofrendo muito com a economia. Claro, você aceita isso.

DA SILVA: Sim!

GREENWALD: E o governo do PT, eu sei que tem muitos casos que não tem nada a ver com o Governo, que são coisas da economia global e outras coisas com a China, mas também tem culpa pela presidente Dilma, que parece estar sofrendo.

DA SILVA: Vamos entrar na parte econômica agora. Veja, o Brasil hoje está sofrendo os efeitos mais perversos de uma crise mundial causada pelo sistema, sabe, econômico do mundo, ou seja, foi exatamente nos Estados Unidos que começou a crise econômica mundial.

Ela ficou muito mais grave com a quebra do Lehman Brothers, que até agora já se gastaram 13 trilhões de dólares e não conseguiram resolver o problema da crise.

Em 2009, na primeira reunião do G20, eu propus na reunião que, se a gente quisesse resolver o problema da crise, ao invés de a gente conter os gastos, deveria fazer investimento nos países mais pobres, para ajudá-los a ter dinheiro barato, para que eles pudessem começar a se desenvolver.

Nós discutimos que era preciso não ter protecionismo. Era preciso abrir o comércio, sobretudo para favorecer os países mais pobres, sobretudo América Latina e África. Todo mundo concordou, isso está no primeiro documento feito em Londres.

Entretanto, cada país votou e cada país fez o seu protecionismo. Na verdade, eu fiz crítica em 2009, dizendo que o problema da crise econômica, era falta de liderança política. A política mundial foi terceirizada. São burocratas de primeiro escalão, de segundo escalão, que tomam decisões importantes e os dirigentes se escondem. Não aparecem!

GREENWALD: Mas agora o governo brasileiro é totalmente livre de culpa com esse problema?

DA SILVA: Eu vou entrar no Brasil agora. Eu só queria situar a crise. Não é possível que a crise na Europa já esteja durando todo esse tempo. Não é possível que os Estados Unidos não tenham reduzido o problema da crise. Ou seja, tudo isso porque eles contiveram o consumo, sabe, que é o que pode motivar a produção, a industrialização de um país.

Pois bem, aqui no Brasil, durante 2011-2014, o Brasil fez uma política de desoneração e fiscal muito grande. O governo abriu mão de quase 500 bilhões de reais, para continuar fomentando o crescimento econômico. Foi isso que permitiu que nós chegássemos em dezembro de 2014 com 4.3% de desemprego no Brasil.

Parecia a Finlândia. Parecia a Noruega, tão baixo era o nível de desemprego. Pois bem, só que o governo não percebeu que esse processo de desoneração e isenção fiscal esvaziou o caixa do governo, diminuiu a capacidade de arrecadação. Ora, obviamente que a Dilma não quis mudar isso durante o processo eleitoral.

Depois das eleições, quando a Dilma ganha as eleições, assumindo um compromisso explícito com o povo brasileiro, a Dilma propõe um ajuste fiscal, e ela começa mexendo exatamente em alguns direitos elementares dos trabalhadores coisas pequenas.

E isso jogou grande parte do nosso público contra nós, e não conseguimos reverter até hoje. É por isso que eu tenho discutido com a presidenta Dilma e eu tenho dito para a Dilma: a única chance de reverter esse quadro é a gente apontar com uma política econômica que gere expectativa e esperança para a sociedade brasileira.

Aquelas pessoas que tinham aprendido a subir um degrau na escada da escala social não podem cair. Essas pessoas têm que permanecer. É por isso que tem que ter uma política econômica voltada para estimular o financiamento, o crédito, o consumo, a micro-indústria, a média-indústria, ou seja, fazer algo que faça a roda gigante girar para frente.

GREENWALD: É possível justificar os programas da austeridade que o governo está impondo agora, e isso vai piorar se o governo mudar para outros partidos?

DA SILVA: Deixa eu falar uma coisa para você. Não tem austeridade.

GREENWALD: Não tem nada aqui no Brasil?

DA SILVA: O que você tem é a constatação que não tem arrecadação. Se não tem arrecadação você não pode gastar. Isso vale para a minha casa, vale para a sua. Isso vale para o governo. Vale para uma empresa. Ou seja, o governo diminuiu sua capacidade de arrecadação.

Porque o governo acreditou que a economia mundial iria se recuperar muito rapidamente, e ela não se recuperou, e o Brasil não se recuperou. Agora o que você tem que fazer: o governo não pode ficar mais um ano falando em corte. O governo agora tem que falar em crescimento. Tem que falar em investimentos.

Se não tem dinheiro público no orçamento, nós temos que fazer financiamento. Nós temos que procurar parceiros. Temos que construir projetos estratégicos com outros países.

Porque agora, em época de crise, nós temos que fazer aquilo que nós não conseguimos fazer em tempo de normalidade. Você tem que ser mais ousado, mais corajoso e tem que fazer coisa nova.

GREENWALD: Existe uma crença comum no ocidente que o PT é parecido com os partidos da esquerda, por exemplo, como na Bolívia, Venezuela, Cuba, Equador, e que o senhor e a Dilma querem colocar o Brasil no mesmo caminho. E também estou ouvindo muito isso aqui no Brasil, entre brasileiros. Isso é verdade? Quais as diferenças principais entre o PT e esses partidos?

DA SILVA: Não seja injusto com o PT, pelo amor de Deus, porque o PT tem muita ligação com o SPD alemão. Com o partido trabalhista inglês. Com o partido socialista francês, com o partido socialista espanhol. O PT tem muita relação.

Deixa eu lhe falar, o PT é o maior partido de esquerda da América Latina, o PT nem sequer definiu o tipo de socialismo que quer, porque o PT diz que o socialismo será a construção, será construído pelo povo, não será o PT que terá meia dúzia de intelectuais e dirá que tipo de socialismo nós queremos. O PT é um partido muito mais aberto do que outros partidos que existem na América Latina.

O que nós somos é maior. O partido é um partido muito plural. Não tem nenhum partido no mundo que seja democrático e aberto como o PT. Dentro do PT convive tudo o que você imagina. É como se fosse uma arca de Noé, ou seja qualquer pessoa, e qualquer pensamento político, eles podem entrar no PT. O que ele precisa ter consciência é que quando o PT decide, aquilo que o PT decidiu passa a ser obrigação de todos os petistas.


Torcedores do Partido dos Trabalhadores (PT) demonstram em apoio
à presidenta Dilma Rousseff e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, no Rio de Janeiro, Brasil, em 18 de março de 2016.
Foto: Yasuyoshi Chiba / AFP / Getty Images
GREENWALD: O senhor fez uma coletiva duas semanas atrás para a mídia internacional, e disse algo muito interessante sobre o Juiz Sérgio Moro. O senhor disse que ele é uma figura inteligente, competente, mas para usar suas palavras: “sendo humano”, pessoas com muito poder e muita adoração são vulneráveis à tentação ao abuso do poder.

Isso se aplica ao senhor também?

DA SILVA: É que eu não tenho nenhum poder.

GREENWALD: Não tem nenhum poder?

DA SILVA: Eu não tenho nenhum poder. Eu, quando tive poder, que eu era presidente da República, a coisa que eu mais me orgulho, é que nunca a sociedade participou de deliberações, tanto quanto participou no meu governo.

GREENWALD: Quando teve poder, se o senhor tiver poder no futuro, isso se aplica ao senhor também? Este princípio que pessoas com muito poder e adoração são vulneráveis à tentação ou abuso do poder?


Um trabalhador coloca um cartaz da campanha para o candidato
presidencial brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos
Trabalhadores (PT), 24 de outubro de 2002, em São Paulo, Brasil.
Foto: Marucio Lima / AFP / Getty Images
DA SILVA: Eu acho que todo mundo com muito poder é vulnerável. E, sobretudo, não é todo ser humano que consegue suportar a popularidade. A mídia. A fotografia. Uma imagem. Isto pode prejudicar muita gente. Eu já vi muita gente, desde jogador de futebol até jogador de baseball, a jogador de snooker (sinuca), a juiz, a presidente da República, a deputado, a senador, se prejudicar.

GREENWALD: O senhor também precisa lutar contra esse perigo?

DA SILVA: Lógico! Desde quando eu era dirigente sindical, eu sempre tive consciência de não me permitir deixar influenciar pelo sucesso da mídia. Eu sei o quanto é bom sair numa capa de jornal. Eu sei o quanto é bom sair na capa de uma revista. Eu sei o quanto é bom aparecer na televisão todo dia.

Agora, se você não tiver cuidado, e não tiver senso de responsabilidade, você pode enveredar por um caminho totalmente equivocado. E eu vou dizer para você uma coisa: todo homem que se acha imprescindível, todo homem que começa a se sentir insubstituível, começa a virar um ditador. E quando começa a virar um ditador, isso é muito ruim.

GREENWALD: Quero discutir o papel da mídia brasileira incitando os protestos e pressionando a saída da Dilma. Como jornalista, não sou brasileiro, mas moro no Brasil há muito tempo, estou chocado com a mídia aqui. Como as Organizações Globo, Veja, Estadão, estão tão envolvidos no movimento contra o governo, defendendo os partidos da oposição.

Eles fingem ter imparcialidade, mas na realidade, agem como a principal ferramenta de propaganda. O controle das organizações da mídia, por poucas famílias muito ricas aqui no Brasil, é um perigo para a democracia?

DA SILVA: É.

GREENWALD: Por quê?


Após a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para
ministro-chefe da Casa Civil, centenas de pessoas foram para
avenida Paulista, no centro de São Paulo, Brasil, para protestar
contra ele e o governo da presidenta Dilma Roussef, 17 de março
de 2016. Foto: Gustavo Basso / NurPhoto / Sipa EUA / AP
DA SILVA: Deixa eu lhe falar uma coisa, porque eu penso que o ideal no mundo, o que seria ideal, era que você tivesse uma imprensa altamente democrática, que tivesse sua opinião política e ela fosse expressa num editorial, mas que fosse muito, muito fiel aos fatos. Que não tivesse versão, tivesse os fatos. Pois bem, aqui no Brasil hoje você não tem partido de oposição. Aqui no Brasil quem faz a oposição é, na verdade, a mídia.

GREENWALD: O Globo, Veja…

DA SILVA: Você tem três jornais, tem revistas, e os canais de televisão que fazem oposição aberta ao governo. Convoca passeata, convoca protesto. Estão estimulando o ódio. Veja, eu perdi três eleições. E, a cada eleição que eu perdi, eu voltava para casa. Eu ia lamentar com minha mulher, ia lamentar com meus companheiros do PT, esperava quatro anos para me preparar. Perdia outra vez. Voltava para casa. Ia me lamentar. Perdia outra vez.

Até que um dia eu ganhei, e eles não sabem perder, eles perderam uma eleição da Dilma. E eles continuaram no palanque até hoje. Como o partido é frágil, a imprensa assumiu o papel de ser o partido. Isto é grave, isto é um risco para a democracia.

Quando terminei o mandato em 2010, nós tínhamos feito uma conferência nacional de comunicação. Nós preparamos um anteprojeto de regulação, que poderia ser modelo americano, modelo inglês, modelo francês. Nada de modelo Cuba, modelo China. Ou seja, lamentavelmente não foi encaminhada ao Congresso Nacional porque a nossa regulamentação é de 1962. A gente não tinha internet, a gente não tinha fax, a gente não tinha nada! Não tinha TV digital, não tinha satélite, não tinha nada. A nossa regulamentação é de 62! E eles não querem mudar! Olha, então eu penso que esse é um tema, é um debate que vai voltar.

GREENWALD: Mas essas organizações da mídia pelo menos aceitaram, ou talvez apoiaram a candidatura do senhor em 2002 e 2006. Concorda com isso?

DA SILVA: Não. Em 2002, estava certo que eu ia ganhar as eleições. Em 2002, estava certo que eu ia ganhar as eleições. Em 2002, eu nunca tive preocupação porque algo me dizia que aquela eleição era minha, era minha vez de chegar à presidência.

Obviamente que a imprensa não foi hostil a mim. Mas, em 2006, eu era presidente da República, e eles davam mais destaque a uma candidatura que estava em quarto lugar, do que a minha candidatura que estava em primeiro e eu era presidente da República. Eles trabalharam o tempo inteiro para eu perder as eleições em 2006.

Quando o Alckmin foi para o segundo turno, eles festejaram que eu ia perder as eleições. O que aconteceu? O Alckmin teve menos votos no segundo turno do que no primeiro turno, e eu fui para 62% dos votos.

Eles imaginavam que eu não ia ter sucessor, imaginavam que o Serra seria o presidente em 2010, de repente nós apresentamos uma mulher, que não tinha experiência política, uma mulher de esquerda, que tinha ficado três anos e meio na cadeia, que tinha sido torturada, e que não tinha nenhuma experiência política.

GREENWALD: Sim.

DA SILVA: Tá? Pois bem. Essa mulher foi eleita presidente da República. Diga-se de passagem, ela fez um bom primeiro mandato. A queixa que se tinha contra a Dilma é que ela não gostava de conversar, que ela não gostava de fazer política, mas isso é o de menos. O dado concreto é que chega nas eleições, outra vez apostaram que a Dilma ia ser derrotada, “A Dilma vai ser derrotada! A Dilma vai ser derrotada!” E… ela ganhou. E aí eles ficaram ensandecidos. Ensandecidos.

GREENWALD: Até hoje não aceitam?

DA SILVA: Até hoje não aceitam.

GREENWALD: Então, quero trocar um pouco o assunto. Quando apareceu reportagem sobre como a NSA estava fazendo espionagem contra o Brasil, o senhor, como a Dilma, denunciou isso de um jeito muito intenso, falando que é invasão de privacidade.

E disse a mesma coisa quando as suas conversas privadas foram divulgadas pelo juiz Moro. Mas, recentemente, este mês, o governo fez uma nova lei antiterrorismo, que foi aprovada com forte apoio do governo da presidente Dilma, que dá muito poder de espionagem para o governo do Brasil. Essa é uma contradição? O que o senhor acha disso?

DA SILVA: Eu era contra a lei, porque eu acho que não pode trazer para o Brasil o padrão de discussão do terrorismo dos países que vivem essa questão do terrorismo. O Brasil, graças a Deus, não tem esse problema, apesar de muita gente dizer que o Brasil tem que se preocupar com isso…

GREENWALD: Acha que o governo está explorando esse medo?

DA SILVA: Não, é que o governo ficou preocupado com as Olimpíadas, eu acho que houve um exagero. Esse país é um em que as pessoas não têm o hábito de terrorismo. Mas esse poder de espionagem que o governo brasileiro hoje tem é muito perigoso. Eu não gosto disso.

Deixa eu contar um coisa para você, eu tenho muito medo de você transformar o aparelho de estado, sobretudo o aparelho policialesco do estado que é muito forte, eu tenho medo. Porque isso se volta contra a democracia, isso se volta contra as instituições democráticas. Daí eu acho que tem que ter um equilíbrio, e não precisa efetivamente você criar um monstro para se defender de um monstro.

GREENWALD: Muitas organizações internacionais de Direitos Humanos estão reclamando muito que o Brasil está violando os direitos dos prisioneiros brasileiros, porque o sistema tem condições inaceitáveis dentro das prisões. E muitas pessoas estão na prisão há muito tempo sem julgamento.

Grande parte desse problema é a guerra às drogas que o PT está sempre apoiando, mas está colocando muitos brasileiros, em sua maioria pobres, negros, jovens, na prisão. O senhor no passado apoiou essa guerra. Mas agora o ex-presidente Fernando Henrique, junto com muitos líderes globais, disse que essa guerra fracassou, e é desumana. O senhor concorda com isso, ou quer continuar essa guerra?

DA SILVA: Veja, a guerra fracassou porque o poder judiciário é muito lento. Ou seja, tem pessoas que estão na cadeia há, dois, três anos, e sequer foram julgadas. E também vale para o lava-jato. É um problema do poder judiciário.

GREENWALD: Mas ninguém se importa quando é jovem, negro, pobre, ficando na prisão por dois, três anos.

DA SILVA: Aí há uma preferência, sabe? Nós temos denunciado, eu tenho feito muitas reuniões com grupos de jovens da periferia, há uma preferência, na verdade, em prender negros e pobres, em matar negros e pobres.

Ou seja, tem um problema que nós estamos tentando, não apenas um partido, mas o poder judiciário, entidade de juízes, como é que a gente vai agilizar, sabe, a liberação e julgamento dessas pessoas?

GREENWALD: Mas com essas condições nos sistemas de prisões brasileiros, é justo colocar alguém dentro da prisão por um ano, dois anos, três anos, 6 meses, qualquer tempo, por possuir drogas com essa pobreza?

DA SILVA: Eu sou pela descriminalização, portanto não acho que um cidadão que cometeu um crime qualquer tenha que estar preso. Eu não acho que um cidadão que é pego, um usuário de droga, possa ser preso. Ou seja, essa pessoa muitas vezes precisa muito mais de orientação psicológica do que de cadeia. Ou seja, uma coisa é prender um traficante, outra coisa é você prender um usuário.

Eu sou contra. Sabe, nós batemos contra. Agora, você tem um problema para enfrentar no Brasil, que ainda tem um poder judiciário muito conservador.

GREENWALD: Minha última pergunta: há muito tempo, o Brasil foi um dos líderes na América Latina, tratando os gays com igualdade. E na verdade o Brasil foi mais progressista do que os Estados Unidos e vários países da Europa com esse assunto.

Mas agora tem esse movimento evangélico no Brasil que é muito forte e que quer reverter isso, e eu sei que o senhor no passado apoiou alguns direitos para os LGBTs, mas quero perguntar, o senhor agora apoia igualdade absoluta para os LGBTs sob a lei? Incluindo o direito para casar?

DA SILVA: Eu aprovo! Deixa eu lhe contar uma coisa, querido, no Brasil, aconteceram coisas muito importantes, veja, eu fui o único presidente da República que fez uma conferência nacional com LGBT.

Quando muita gente achava que era muito perigoso eu ir à conferência, eu fiz uma conferência com mais de duas mil pessoas e foi uma lição extraordinária para o governo. Segundo, nós conseguimos aprovar na Suprema Corte a união civil, o que foi um avanço extraordinário, sabe?

GREENWALD: Mas não igual.

DA SILVA: Nós fizemos agora no Plano Nacional de Educação…

GREENWALD: Mas não é igual ao direito para casar dos casais heterossexuais, é menos…

DA SILVA: Mas, de qualquer forma, a Suprema Corte tomar uma decisão dessas foi um avanço extraordinário. Eu apoio o direito das pessoas tomarem a decisão que melhor lhes convier.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma 
bandeira do movimento gay durante a cerimônia de 
abertura da I Conferência Nacional de Gays, 
Lésbicas e Transexuais, no dia 5 de junho de 2008, 
no Brasil. Foto: Joedson Alves / AFP / Getty Images
GREENWALD: Incluindo o direito para casar?

DA SILVA: Incluindo o direito para casar! Eu quando falo de união civil, já falo em casamento, tá? Eu, sinceramente, acho que as pessoas têm que viver como quiserem. Desde que cada um de nós respeite o direito dos outros, sabe? Eu, aqui no Brasil, quando se tratava da questão do aborto, que se dizia que o aborto era uma coisa criminosa, eu costumava dizer “olhe, eu, como cidadão, pai de cinco filhos, sou contra o aborto. Mas eu, como presidente da República, trato o aborto como uma questão de saúde pública.”

GREENWALD: Porque a mulher tem o poder de escolher e não o senhor?

DA SILVA: Lógico! Lógico! Sabe, então eu penso que o Brasil tem evoluído muito, mas em alguns temas ainda estamos muito atrasados.

DA SILVA: Eu queria dizer uma coisa…

[Nesse momento os dois falam ao mesmo tempo]

DA SILVA: Ainda sobre a questão Lava Jato, que você, que é um estrangeiro que está aqui no Brasil, o que me preocupa nesta história do Lava Jato é outra tese que está em curso como é a tese da teoria do domínio do fato.

É a tese que primeiro você detecta um bandido, você carimba alguém de bandido, aí você vai procurar crime para jogar nas costas dele. Eu estou dizendo isso porque todo santo dia aparece alguém dizendo “eles querem pegar o Lula! Eles querem pegar o Lula! É o Lula que eles querem pegar!”.

GREENWALD: Por que eles acreditam que você vai fazer eleição novamente para a presidência, é verdade que você vai fazer?

DA SILVA: Eu não sei, se o motivo é esse, isso é uma bobagem. Deixa eu lhe falar uma coisa, eu duvido que neste país tenha algum empresário que diga que um dia discutiu 5 centavos comigo.

GREENWALD: Antes eles deram muito dinheiro para apoiar a campanha do senhor, tem muito apoio dos negócios, empresas, rádios…

DA SILVA: Aqui no Brasil só dá dinheiro quem é rico, quem é pobre não tem dinheiro para dar. Vamos ser francos! Em nenhum país do mundo um candidato vem da sua casa para ser candidato!

GREENWALD: Precisa do apoio dos ricos.

DA SILVA: É lógico! Nos Estados Unidos é até charmoso, até ganha prêmio quem arrecada mais.

GREENWALD: Obama, Clinton, tiveram muito apoio de Wall Street e grandes empresas.

DA SILVA: Então, deixa eu lhe falar uma coisa, essa era a regra do jogo: você pede dinheiro, o empresário dá o dinheiro, você presta contas, a justiça aprova a conta e acabou.

GREENWALD: E faz favores para os ricos.

DA SILVA: Agora, se criou essa ideia, e o PT defendia a ideia de que vamos acabar com o dinheiro privado na campanha e vamos fazer financiamento público, que é a forma mais digna de fazer campanha.

GREENWALD: Agora o PT não vai aceitar dinheiro de grandes empresas para fazer campanhas?

DA SILVA: O PT decidiu não aceitar a contribuição empresarial para a campanha eleitoral, portanto, eu acho uma coisa extraordinária, uma coisa corajosa e isso pode fazer renascer o PT com muito mais força.

GREENWALD: E se o senhor for numa futura campanha da presidência, vai manter essa promessa de campanha?

DA SILVA: Lógico! Eu já sou muito conhecido.

GREENWALD: Tem muitas críticas da esquerda de que o PT está apoiando muito uma política neoliberalista, que está protegendo o interesse dos ricos e não dos pobres. Isso é válido?

DA SILVA: Não. Nós vamos ter na verdade é que, outra vez, utilizar os trabalhadores, as pessoas mais humildes deste país para fazer a economia do Brasil voltar a crescer. Para isso, nós precisamos de financiamento, de crédito e de parcerias. E isso, graças a Deus, eu quero ajudar a Dilma a fazer.

GREENWALD: Bom, muito obrigado pela entrevista, senhor presidente.

DA SILVA: Obrigado você, querido.

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